segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Tráfico de Seres Humanos

Colóquio Internacional

“Mulheres da vida”, mulheres com vida: Prostituição feminina, Estado e políticas"


Universidade do Minho, Outubro de 2005



I



Introdução

Aproveito a oportunidade para agradecer à organização do colóquio, nomeadamente ao Sr. Professor Manuel Silva, tão honroso convite.

A minha participação neste evento não pode naturalmente estar separada da experiência profissional que acumulo desde 1991, data em que ingressei no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, decorrendo como consequência da minha intervenção o interesse em estabelecer-se, de forma genérica, uma relação entre o fenómeno migratório, à escala global, nos nossos dias e a presença no país e nas regiões transfronteiriças de cidadãs estrangeiras com ligações ao mundo da prostituição.
Desde logo importa trazer à colação a definição de conceitos para se saber com que fenómenos somos confrontados, constando-se a partir daqui uma ligação a uma realidade criminológica e quais as suas consequências no tecido social, podendo essa censurabilidade estender-se à perspectiva penal para uma eventual punição.
No que concerne a cidadãs estrangeiras detectadas em Portugal, num fenómeno muito semelhante que se estende à escala planetária, é importante perceber, desde logo, as dinâmicas e características de cada fluxo migratório, e por isso mesmo vou-me circunscrever essencialmente a dois destes fluxos: (i) com origem na América Latina e (ii) oriundo do Leste da Europa.
Por norma, sendo a prostituição uma actividade marginal – mesmo não sendo punida criminalmente é-o socialmente –, leva a que as primeiras leis a serem violadas por cidadãs estrangeiras sejam as que regulamentam a imigração nos países de destino. O que é desde logo importante perceber é se estamos perante estruturas organizadas que suportam, alimentam e incentivam o fluxo migratório com o objectivo de manter e dominar redes de tráfico de pessoas, ou se o fenómeno tem uma dimensão baseada em estruturas sociais débeis nos países de origem que alimentam naturalmente o fluxo migratório a partir das comunidades alvo, sendo a iniciativa, em diversas circunstâncias, tomada a partir de uma reflexão estritamente pessoal.
São essencialmente mulheres, no caso latino americano, com origem em famílias desestruturadas, mães solteiras desde a adolescência, com fragilidades económicas, baixa condição social, ou também, já a partir de centros urbanos mais desenvolvidos, mulheres com expectativas de consumo que não podem materializar caso se mantenham nos países de origem.
Atrever-me-ia a dizer que em Portugal, muito à semelhança do que acontece no resto da Europa temos um pouco de tudo isto, sendo muito importante termos algumas cautelas nas considerações gerais, por vezes extremamente abusivas, no desenho da realidade.
Importa por isso ser claro na forma como caracterizamos o fenómeno e o abordamos junto da opinião pública: o tráfico de mulheres para exploração sexual tem um peso relativamente diminuto se o analisarmos à luz da problemática da imigração ilegal[1] e tráfico de imigrantes[2] como um todo e cujo objectivo deste tipo de negócio, à semelhança do que acontece de qualquer empresa capitalista legal, é o lucro só que, neste caso, completamente livre de qualquer taxa fiscal.


II



A imigração ilegal e as vítimas tráfico de seres humanos

Perante este cenário é fácil percebermos que estamos perante um processo perigoso, principalmente nos esquemas especialmente direccionados para os enredos característicos da prostituição que tem como características as condições degradantes com que o ser humano é tratado, ainda que em diversas circunstâncias este processo tenha o seu aval; por outro lado as vítimas de tráfico nunca aceitam tal submissão e se numa fase inicial o fazem devemos ter como atenuantes as condições coercivas a que estão sujeitas, não sendo despiciente a forma abusiva como são introduzidas neste tipo de redes sujeitas a abusos que podem inclusivamente colocar em causa a sua integridade física.
Outra diferença substancial é a de que a participação de terceiros no auxílio à imigração ilegal termina no momento da chegada dos imigrantes ao país alvo; pelo contrário a vítima de tráfico sujeita-se, muito para lá deste momento, a diversos tipos de aproveitamentos dos traficantes, de forma continuada no país de destino. Uma consequência muito directa sobre as vítimas deste tipo de crime é a forma como de tal modo são afectadas e dificultam a sua saída das redes, tornando-as novamente sujeitas ao re-trafficking[3], sujeitando-se novamente a uma vitimização da qual não conseguem escapar.
É a partir destes cenários que se deve analisar cada fluxo migratório per si, o caso sul-americano espelha bem as circunstâncias em muitas das mulheres envolvidas neste tipo de teias chegam a Portugal e à Europa.
Tal como tive oportunidade de referir anteriormente a dimensão deste fenómeno tem a dimensão que tem em Portugal, somos o país que somos tendo em conta a nossa dimensão geográfica – 92391 Km2 – e a nossa dimensão económica; se estabelecermos termos de comparação com a vizinha Espanha facilmente perceberemos que as capacidades de atracção são absolutamente diferentes, pormenor a que não é alheio o desenvolvimento dos dois países e também, porque não dizê-lo, a dimensão demográfica – 10 milhões de habitantes em Portugal para 40 milhões de habitantes para a Espanha.
A violência das formas de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos como características transversais a este fenómeno são muito mais acutilantes noutros países, nomeadamente da UE, do que em Portugal onde são a excepção que confirma a regra.
O fenómeno sul-americano não assenta necessariamente nos mesmos esquemas do leste da Europa, no Brasil, por exemplo, temos uma realidade de tráfico interno de dimensões incomparáveis à realidade de Portugal, onde muitas das mulheres assinaladas foram vítimas de um processo migratório interno, em muitas circunstâncias ainda menores de idade, dos Estados do interior para as grandes cidades; muitas foram detectadas naquilo a que as autoridades brasileiras chamam de tráfico infanto-juvenil, com a cumplicidade dos próprios pais, e todo o seu universo e desenvolvimento como seres humanos, até à idade adulta em que chegam à Europa, desenvolve-se inserido neste tipo de ambiente.
Importa perceber aqui a realidade do fenómeno migratório ilegal brasileiro com destino a Portugal e a forma como se estabelecem as pontes a partir do outro lado do Atlântico para que a abordagem a esta problemática não nos conduza a equívocos.
Neste caso os canais migratórios alimentam-se naturalmente por si mesmo: a grande vantagem da isenção de vistos, a forma apelativa como as notícias chegam a terras de Vera Cruz, a familiaridade das relações, traduzem uma imigração impulsionada de “boca em boca” que estão na base do “boom” brasileiro em Portugal, seja para a imigração legal que respeita as normas, seja para a imigração ilegal conexa ao tráfico de seres humanos.
Estamos perante um novo paradigma em que perante um esquema migratório desorganizado na sua essência, sentimos a sua penetração no nosso tecido social e na actividade quotidiana e ao qual reagimos essencialmente punindo os actores que individualmente surgem como imigrantes ilegais, não transferindo consigo estruturas criminosas, organizadas em grupo, para estabelecer em Portugal.
Resulta daqui que a uma eventual censurabilidade social não se traduz uma censurabilidade penal, quer isto dizer que as rotas utilizadas neste fluxo migratório não estão a ser pensadas numa perspectiva exclusiva dos interesses de formas organizadas de crime, não havendo uma estratégia de estruturas consolidadas entre o Brasil e Portugal.
No caso concreto os factores de propulsão são de tal forma voláteis que se materializam de forma inesperada e junto de comunidades não necessariamente tuteladas pelo crime organizado.




Quadro 1[4]


Se o Quadro 1 nos mostra a tendência geral dos fluxos migratórios em direcção a Portugal, mesmo considerando que em determinados momentos poderá, fruto das mais diversas conjunturas, sofrer estagnações ou retrocessos, o quadro que se segue mostra a forma como se ultrapassam as restrições nas ligações directas entre Portugal e a América do Sul, optando as pessoas por viajar em trânsito por outros países, como por exemplo a França, a Espanha, a Holanda ou a Itália, para alcançarem por ligações internas (aéreas ou terrestres) na União Europeia (UE) o país em que visam fixar-se, conseguindo furta-se a muitos dos obstáculos legais que impedem a sua entrada numa ligação directa.








Quadro 2[5]


O elevado número de recusas de entrada, principalmente no Aeroporto de Lisboa, fronteira externa da UE prova a validade desta opção e justifica as alternativas de percurso a que atrás nos referimos (ver Quadro 3 e 4).




Quadro 3[6]




Quadro 4[7]



Relativamente a estes dados importa referir que os mesmos serão meramente indicativos, podendo ajudar-nos como ponto de partida para um estudo ou reflexão sobre este tema, não sendo líquido que a todas as mulheres a quem foi recusada a entrada se possa estabelecer uma ligação com a prostituição ou outra qualquer forma de tráfico. Outra perspectiva se poderá ter quando, fruto da acção de investigação e/ou fiscalização do SEF, são detectadas cidadãs estrangeiras, ilegalmente no país, a trabalhar em bares de alterne ou casas ligadas à prostituição, mas mesmo nestas circunstâncias é preciso perceber a forma como foram integradas neste tipo de actividade para se tecer algum juízo de valor (ver Quadro 5).
Face ao até agora exposto e percebendo-se a tendência e rotas dos fluxos migratórios e às quais se juntarão características próprias do país é compreensível a tendencial localização destas cidadãs nas regiões transfronteiriças, até pelo aspecto de novidade do fenómeno, sendo usual a circulação destas mulheres por regiões, aspecto importante a salientar, permanecendo conforme as conveniências entre estabelecimentos de ambos os lados da fronteira.
Neste caso a dinâmica das regiões, atendendo ao grau de desenvolvimento que têm, poderá, independentemente da vontade dos países, ter uma acção autónoma e catalizadora deste tipo de fenómeno, sendo uma dificuldade acrescida para as autoridades, em casos de investigação criminal, tendo em conta a grande mobilidade que as regiões transfronteiriças permitem aos envolvidos neste tipo de actividade.
Mas para não me alongar muito mais há algo na base de tudo isto e que merece ser salientado: as péssimas condições e fragilidades económicas em que as mulheres se encontram nos países de origem. Este factor, que não é de somenos importância, aparece como elemento condicionador da vontade das mulheres, fragiliza-as de tal modo perante eventuais recrutadores, tornando ponto assente, do ponto de vista internacional e que se está a transportar para as legislações internas, que o “consentimento” das vítimas não beneficia os infractores.






Quadro 5[8]


No caso do fluxo migratório originário do leste da Europa, principalmente a partir da Ucrânia e Moldávia, a realidade assume contornos diferentes.
Quanto a este problema pode-se afirmar com mais precisão que o tráfico de imigrantes de uma forma geral, e o das mulheres em particular obedece, de forma muito específica, às exigências de estruturas criminosas organizadas que visam o lucro à semelhança das vulgares empresas capitalistas.
Mas mais uma vez importa referir que no âmbito do tráfico de imigrantes em geral, a dimensão do tráfico de mulheres originárias do leste da Europa para exploração sexual é na realidade diminuta tendo em conta as possibilidades que o nosso país, como mercado, oferece.
A grande diferença, no caso em apreço, é que entre os países de origem a Leste, especialmente a partir da Moldávia e da Ucrânia, se consolidam e transferem estruturas criminosas a pensar numa ocupação de espaços: os locais de origem, os países de trânsito e os de destino.
A lógica de implantação para afirmação destes grupos está relacionada com uma perspectiva económica, que permita a fluidez da circulação monetária através do que a Interpol define como “underground banking system”, permitindo assim o financiamento[9], completamente à margem do sistema legal, das estruturas sede localizadas nos países de origem.
Naturalmente que o tráfico de mulheres tem nestas estruturas uma capital importância face ao dinheiro que gera, porque o mundo da prostituição tem naturalmente procura e as capacidades de recrutamento para oferta são imensas em países social e economicamente debilitados como são os que integraram a extinta URSS.
Neste casos, as identificações feitas, permitem sem qualquer dúvida tipificar as mulheres como vítimas, sendo estas claramente enganadas e forçadas, fora do seu país, sob um manto de silêncio e temor reverencial, a calar a indignidade a que são sujeitas, muitas delas vendidas e escravizadas sexualmente.


Quadro 6[10]




A documentação utilizada, passaporte e visto, para saída da Moldávia e Ucrânia, legalmente emitidos são demonstrativos da forma refinada da actuação das organizações e espelham desde logo o engodo em que vão cair as mulheres, não sabendo estas sequer qual o país de destino escolhido para si, até neste pormenor as rotas são impostas pela organização.
Quanto à realidade a uma escala mais alargada, perspectivando a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos, pode-se dizer que o fenómeno atinge-nos mas não tem as dimensões de países como a Turquia e Rússia, que também devem ser vistos como regiões de trânsito para o Médio-Oriente, países árabes, e Extremo-Oriente, principalmente no que diz respeito à procura de cidadãs ucranianas; no caso das cidadãs moldavas, e tendo em conta não só relatórios internacionais mas também a nossa experiência de investigação criminal, a Itália e Espanha são os “target countries” mais visados, utilizando preferencialmente as rotas dos Balcãs e as acessibilidades à Roménia para depois conseguirem, mais facilmente, entrar no espaço Schengen.





Quadro7[11]



III


Conclusão

Face ao quadro actual, e tendo por base os relatórios das Nações Unidas, há um traço comum nas tendências do tráfico humano: as pessoas são recrutadas, ou raptadas em muitos casos nos seus países de origem; utilizam-se certas regiões ou países para trânsito e o objectivo final é sempre o mesmo – a exploração a que são sujeitas nos países de destino.
Ainda que se tenha que acautelar características regionais para se tipificarem situações concretas e definirem conceitos, em ordem de grandeza estima-se uma movimentação de pessoas entre espaços de 127 países para 137 países[12], isto porque muitos dos países mencionados não são apenas de origem e/ou destino mas simultaneamente origem e destino, sendo muitos deles caracterizados com incidências elevadas de tráfico interno.
Mas para termos uma noção ainda mais exacta, para além dos canais estabelecidos entre regiões e países, veja-se o altíssimo número de pessoas envolvido neste atentado à dignidade humana: segundo a Organização Internacional do Trabalho 1,2 milhões de pessoas são vítimas de tráfico e 1,8 milhões de pessoas estão envolvidas na prostituição e/ou pornografia; no caso da UNICEF os dados apontam para 1milhão de mulheres exploradas sexualmente.




Quadro 8[13]


A este respeito nunca é demais citar a Convenção do Conselho da Europa de luta contra o tráfico de seres humanos: “O tráfico de seres humanos constitui uma violação dos direitos humanos e uma ofensa à dignidade e integridade dos seres humanos”.
Cumpre a cada um de nós, quer enquanto indivíduos, quer enquanto Estados que pugnam pelo valor civilizacional atrás citado, o combate a este flagelo e que não deve ter tréguas, sendo importante que a educação cívica nas escolas integre este tipo de matérias para que o mundo, já por si desequilibrado nas relações de desenvolvimento económico, possa no mínimo, ser sonhado de forma bastante diferente.
Esta foi apenas uma abordagem parcial a este problema, como atrás mencionei existem diferenças de país para país, não havendo remédios miraculosos a la carte para os resolver de forma idêntica, veja-se por exemplo os problemas de África nesta matéria que devem ser abordados de forma diferente, sendo necessário perceber o universo cultural em que as pessoas se movimentam para podermos almejar uma solução. O caso da Nigéria é em si paradigmático e faz de si um dos principais países daquela região, como fonte para o tráfico de mulheres.
Nem sequer abordo os quantitativos monetários envolvidos neste tipo de transacção e que são amiúde divulgados pelos media; é muito difícil ser preciso neste ponto e desde logo pela fiabilidade dos dados. Se a ONU recebe estes elementos a partir dos membros com base em casos concretos resolvidos do ponto de vista criminal e com investigações levadas a bom porto, isto é com condenações dos arguidos e a apreensão dos bens materiais, ressalta-nos sempre uma dúvida: como se chega ao valor da actividade específica do tráfico de mulheres? A experiência diz-me que na maior parte dos casos, como procurei demonstar nos gráficos anteriores relativos a associações criminosas, existe uma multiplicidade e uma concorrência de crimes perpetrados de forma conexa, sendo que a exploração sexual pode nem ser a actividade estrutural da associação criminosa, tornando muito difícil, em sede processual, a contabilização exacta dos proventos desta actividade, razão pela qual, outrossim, se opta por uma contabilização genérica dos lucros obtidos pela associação criminosa.
Agradeço mais uma vez a possibilidade que me foi dada em participar em tão prestigioso evento, este foi o meu ponto de vista, reflecte naturalmente a minha experiência profissional, mas espelha também uma visão muito pessoal, e emocional, do problema.
O século XXI, em minha modesta opinião, fará emergir um sem número de problemas relacionados com os fluxos migratórios, o que aliás nem sequer é novidade, basta recordar Francis Fukuyama que passo a citar: “Em muitos aspectos, os mundos histórico e pós-histórico manterão existências paralelas, mas diferenciadas, com relativamente pouca interligação entre si. Haverá, todavia, diversos eixos ao longo dos quais estes dois mundos poderão colidir. O primeiro relaciona-se com o petróleo (…).
O segundo eixo de interacção é actualmente menos perceptível do que o petróleo, mas, a longo prazo, poderá ser mais perturbador: tem a ver com a imigração. Verifica-se presentemente um afluxo constante de pessoas dos países pobres e instáveis para aqueles que são ricos e seguros, o que está a afectar virtualmente todos os estados do mundo desenvolvido. Este afluxo, que tem vindo a aumentar nos últimos anos, pode acelerar-se repentinamente devido a tumultos no mundo histórico. Acontecimentos como a desintegração da União Soviética, a irrupção da violência étnica na Europa de Leste ou ainda a absorção de Hong-Kong por uma China comunista sem reformas poderão dar azo a maciças transferências de populações do mundo histórico para o pós-histórico.”




Braga, Outubro de 2005




José van der Kellen
Inspector Superior do SEF
Director Regional do Algarve




Notas


[1] A imigração ilegal é, em qualquer circunstância, um fenómeno transnacional que obriga à transposição de fronteiras, o que não é obrigatório que aconteça com o tráfico que pode ter característica endógenas em determinados países com o desenvolvimento do tráfico interno, movimentando-se as pessoas de um local para o outro tendo em conta os interesses do momento, funcionando também aqui uma lógica de mercado.


[2] De acordo com a Convenção Europol o Tráfico de seres humanos é definido como a forma de submeter uma pessoa ao poder real e ilegal de outrem, mediante recurso à violência ou a ameaças, abuso de autoridade ou a utilização de subterfúgios. Não restringe o crime de Tráfico de pessoas apenas para fins de exploração sexual.


[3] Re-trafficking, conceito anglófilo, muito usado ONU retrata o fenómeno a que são sujeitas, as mulheres nomeadamente nigerianas, que mesmo que se consigam libertar em determinado momento das redes acabam por regressar à condição de vítimas por não haver um plano de apoio e integração que as ajude a manterem-se afastadas deste tipo de redes. A expulsão ou o repatriamento, para os Estados a solução mais fácil, acaba por ser um reencaminhamento para o estatuto de vítima a que entretanto foram sujeitas face à rejeição social e familiar nos países de origem.


[4] Fonte SEF


[5] Fonte SEF


[6] Idem


[7] Fonte SEF


[8] Fonte SEF

[9] “Obchak”, expressão russa para definir a contribuição para o fundo financeiro das organizações. Normalmente as remessas são enviadas, informalmente, para as altas chefias nos países de origem.


[10] Estrutura genérica, organizada em pirâmide, de uma associação criminosa da Europa de Leste.


[11] Diagrama de conexões de associação criminosa da Europa de Leste.


[12]United Nations Office on Drugs and Crime.


[13] Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime.











terça-feira, 24 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Terrorismo

As redes de imigração ilegal e o fenómeno do terrorismo
Texto de 2005

Um dos actuais dilemas da Europa resulta do confronto entre a necessidade de segurança, da qual pode resultar uma desadequada e excessiva restrição das políticas migratórias, e os não menos necessários fluxos migratórios que rejuvenesçam a sua população e possibilitem a execução de uma série de trabalhos, muitos ditos de menor dignidade social, para os quais os europeus já não estão virados.
Associado ao problema do envelhecimento da população, a Europa está confrontada com um receio enorme de ver a sua matriz e identidade culturais completamente alteradas pelos povos que demandam o velho continente. Não se preparou em devido tempo e, do alto do seu desenvolvimento e qualidade de vida, não teve a percepção que homens e mulheres deserdados de outras paragens aguardavam o momento oportuno – chegado com o advento da globalização – para darem corpo aos canais migratórios antes estabelecidos pelos próprios europeus. Estes canais migratórios, de origem europeia, tiveram, em grande parte, no inevitável movimento descolonizador que irrompeu entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos sessenta, a inversão do sentido de movimentos.
Passamos a ser alvo, e não fonte, dos movimentos migratórios. Chegado o momento de inversão das tendências, os Estados da velha Europa, atónitos, parecem não ter dado conta da mudança registada.
Este dilema, que tem servido de arma de arremesso político no seio de cada país, serve antes do mais para um combate estéril entre esquerdas e direitas, acabando por não ter o tratamento adequado nos diversos campos transversais das ciências sociais. Tardam as perspectivas de médio e longo prazo, através de uma intervenção directa na gestão dos fluxos migratórios pelos Estados alvo, o que resulta no seu enfraquecimento e visível marginalização face ao fenómeno.
O alheamento dos estados da União Europeia, que só recentemente começaram a debruçar-se sobre o problema, levou a uma vacatura na intervenção da regulação a que os fluxos migratórios deveriam estar sujeitos, não se verificando a intervenção de qualquer elemento formal na dinâmica que começa a constatar-se a partir do final dos anos oitenta e que se prolongou até aos dias de hoje.
Quando o problema do direito dos imigrantes chega à opinião pública e começa a ser discutido, já os Estados estão atrasados no preenchimento do lugar vago para intervir nos fluxos migratórios. Uma plêiade de formas de crime – organizada ou singular – passa a gerir aquele que pode muito bem ser o grande negócio do século XXI: o tráfico de imigrantes, sob as mais diversas formas.
Na prática, com uma promessa mais célere para se chegar ao sonho do el dorado, este sistema informal possibilita o acesso ao inimaginável sem as demoras burocráticas que antecedem a aposição de uma vinheta num passaporte.

As grandes rotas de acesso


A evolução do fenómeno que atrás foi sinteticamente exposto transporta para matérias de polícia a responsabilidade de conter a avalancha que diariamente atinge a Europa. Com esta perspectiva, a ideia de segurança e de fronteira (espaço que diferencia áreas geográficas, que delimita soberanias e que estabelece diferenças entre nós e os outros) passam a estar associadas.
Os espaços que rodeiam a Europa estão muito próximos do caos e apresentam-se como locais férteis para o desenvolvimento de estruturas do crime organizado na gestão do negócio do tráfico de imigrantes. Das regiões sob controlo das estruturas criminosas salientamos as seguintes: (i) Mediterrâneo Oriental; (ii) Norte de África; (iii) Costa Ocidental de África; (iv) Europa Central e de Leste e (v) Balcãs. Trata-se de rotas essencialmente terrestres e marítimas, embora se possam detectar conexões entre estas regiões e, por exemplo, o Médio Oriente feitas por avião como trajectos utilizados por fluxos migratórios irregulares.
À maioria de todos estes espaços se detecta um denominador comum: a permissividade relativa a doutrinas radicais do Islão, presentemente uma das grandes preocupações do Ocidente. Os fluxos migratórios originários das regiões fronteiriças à Europa originaram uma diáspora de forte coesão religiosa e cultural. Apesar da sua essência involuntária, esta diáspora é bem cimentada, baseando-se num sentimento de partilha de valores. O desafio radica, em grande parte, na forma como, numa perspectiva multicultural, se pretende fazer a integração de pessoas cuja percepção do mundo se baseia numa matriz religiosa.
Estamos perante duas vontades: uma, por parte dos países receptores, com a intenção de integração e de minimizar os choques entre quem está e quem chega; outra, da parte das comunidades imigrantes, com a intenção de, sobretudo, marcarem a sua diferença, delimitar territórios culturais e desenvolver estruturas que combatam uma matriz cultural que rejeitam liminarmente, no próprio núcleo territorial, cultural e económico dos que os recebem.

Das realidades regionais à globalização


Mais do que estruturas complexas e pesadas que facilmente podem ser detectadas, a imigração ilegal desenvolveu estruturas em rede, com uma enorme capacidade de desenvolverem a troca de informação, que servem na perfeição os modelos do terrorismo internacional, tendo como ponto de partida para a sua caracterização a «escola» da organização Al-Qaeda. A actuação a um nível global, como a que a Al-Qaeda iniciou a partir da ocupação soviética do Afeganistão, vê a sua capacidade de materialização aumentada através de uma dispersão em rede, característica das redes de auxílio á imigração ilegal, que facilmente podem por si ser manipuladas, ou mesmo meramente utilizadas como uma prestação de serviços que não necessitam de tutelar.
Quanto às comunidades de matriz cultural islâmica[1] que, a partir das rotas e regiões mencionadas anteriormente, possam parcialmente ter desenvolvido a sua diáspora através de canais migratórios na sua relação com as comunidades de destino, duas opções são colocadas: (i) uma perspectiva de integração, com uma visão multicultural aberta e geradora de desenvolvimento e que obriga a uma interacção entre os chegam e os que recebem; (ii) uma perspectiva fechada, de rejeição dos valores ocidentais, que desenvolve ghettos e, na prática, transfere realidades culturais regionais que pretende manter intocáveis, perspectivando um prolongamento do combate entre o Islão e as sociedades ocidentalizadas.
Como é do conhecimento de quem acompanha de perto o desenvolvimento deste fenómeno, os grupos islâmicos funcionam por diferentes níveis de operacionalidade e desenvolvem, na generalidade dos casos, combates que têm origem em causas locais ou regionais, a partir das quais procuram uma integração na dinâmica da jihad global.
O conceito de globalização, muito querido na actual dinâmica empresarial e do mundo dos negócios, que trespassa facilmente fronteiras e transforma o mundo numa aldeia global, adapta-se perfeitamente aos propósitos de grupos radicais, num momento em que a era da informação e o desenvolvimento inerente das novas tecnologias permitem ligações à escala mundial, permitindo formas de mobilidade muito difíceis de controlar.
As razões deste tipo de adesão a uma espécie de worldwideweb podem ser várias. Desde logo podem estar relacionadas com a implementação de medidas securitárias de um determinado governo, cujos efeitos podem potenciar factores de rejeição e de luta que conduzem a uma adesão à jihad global. Por outro lado, a simpatia por uma causa específica costuma também ser motivo de adesão a uma organização em rede. Finalmente, há que considerar a possibilidade de a adesão à jihad global poder conferir determinado tipo de proventos face à ligação entre muitas destas células e o tráfico de droga.
Deparamo-nos assim com uma plêiade de factores que interagem entre si e produzem, independentemente dos países e regiões em que se localizam, um considerável número de indivíduos com apetência para uma interpretação radical do Islão, que a partir de uma base sociológica sustentada pode determinar relacionamentos e conflitos à escala global. Com uma imigração fora do controlo das organizações governamentais, o desenvolvimento deste tipo de comunidades em redor de mesquitas lideradas por imãs com discursos inflamados contra o ocidente, acaba por originar, pela marginalidade social que encerra, a produção de ódios contra o ocidente e o seu modo de vida.
Este tipo de fenómeno ocorre e alastra-se também a muitos dos países árabes onde se desenvolvem correntes doutrinárias mais radicais; a adesão a esta linha de pensamento e acção é consequência do desenraizamento social de muitos “mujhaedin” entretanto regressados depois do voluntariado pela “jihad”, no Afeganistão ou nos Balcãs, onde interiorizaram, consolidaram e mitificaram o espírito, a luta e o sacrifício contra o Ocidente preconizados pela Al-Qaeda.
De tudo isto resulta claro que o combate ao fenómeno do terrorismo, que como se constata possibilita inúmeras possibilidades de recrutamento em ambos os lados da fronteira, não pode ser objectivo exclusivo do Ocidente sendo fundamental o envolvimento dos países árabes naturalmente conhecedores, melhores que ninguém, do ambiente em que tudo isto se desenvolve.

As comunidades islâmicas e a sua vulnerabilidade


Tal como anteriormente referido, na maior ou menor capacidade de integração estará o sucesso ou o insucesso do fenómeno migratório de matriz islâmica, competindo aos países receptores e de maior maturidade democrática, lutar pela harmonia entre comunidades e fazer reflectir esse sucesso na interacção necessária à diversidade cultural.
Do estrito ponto de vista da segurança interna dos Estados, tal não depende apenas das suas estruturas, ou tampouco das políticas que se pretendam implementar. Há uma dinâmica internacional, de características transnacionais e com implicações estratégicas nas relações internacionais que devem ser ponderadas; a realidade mostra-nos que muito do que está acontecer resulta de um desequilíbrio entre o mundo islâmico e o mundo ocidental, cujas origens podem ser parcialmente identificadas numa espécie de fractura estruturante entre as civilizações de orientação muçulmana e as ditas civilizações ocidentais. A psicologia das sociedades e os diversos estudos sociológicos e antropológicos sugerem que o desenvolvimento tecnológico europeu, grandemente baseado nas ciências desenvolvidas pela civilização muçulmana, pode ter aberto feridas e adensado o complexo «choque civilizacional» que se faz sentir até aos nossos dias. A expansão marítima portuguesa foi um exemplo disso, tendo dado início a um movimento renascentista que, progressivamente, massificou a cultura, os valores ocidental e o desenvolvimento económico à escala global.
Se é certo que tudo isto permitiu que em certas regiões se atingisse um elevado índice de desenvolvimento humano, não é menos verdade que não houve equilíbrio na distribuição da riqueza e no desenvolvimento daí inerente. Tudo isto se reflecte, de forma muito sentida, num tempo em que a era da informação que vivemos impede o desconhecimento de muitas destas razões como génese do problema.
É assim desde já possível saber como se vive do outro lado da fronteira e do outro lado do mundo; a dinâmica migratória torna-se inevitável bastando para tal ler o relatório do PNUD (ver quadro) e constatar o espaço de manobra que as pessoas têm para viver.





Com a aceleração da História e o desmoronamento do mundo comunista em que do ponto de vista histórico a queda do muro de Berlim foi e é uma referência, toda a dinâmica da relação de espaços e a visão de fronteira foi alterada. Muito provavelmente ainda demoraremos alguns anos para termos plena consciência das consequências do fim da bipolarização. De momento poderemos afirmar, sem margem de erro, que o final da Guerra Fria foi determinante para o novo e mais complexo fluxo migratório à escala planetária a que assistimos. A realidade dos fenómenos migratórios decorrente desta alteração nunca mais será a mesma.
De tudo isto há algo que urge perceber: se os Estados não tiverem capacidade de gerir os fluxos migratórios terão sempre problemas ao nível da sua segurança interna. O que se passa actualmente na Europa é claramente sintomático de tudo isto; os resultados na vizinha Espanha, com a investigação dos atentados às torres gémeas em Nova Iorque, mostraram-nos, ao nível da informação processual decorrente das investigações criminais, um número de trinta suspeitos a levar a julgamento. Destes, verificou-se que muitos não estavam em situação regular nem em Espanha nem em qualquer outro país europeu.
Se juntarmos a este pormenor o que se investigou e apurou relativamente aos atentados de 11 de Março em Madrid percebe-se facilmente a forma tentacular do terrorismo nos nossos dias e a sua ligação às bolsas irregulares de imigrantes.
Esta aparente contradição, com o recrutamento a constatar-se nos grandes centros urbanos da Europa, através de células e bolsas de imigrantes que gravitam ao redor de imãs e mesquitas, fazem do nosso continente, se não um alvo privilegiado, local por excelência onde se poderão desenvolver actividades que alimentam o terrorismo aos mais diversos níveis.
A preocupação dos serviços de informações e serviços de segurança sobre estas questões muito concretas, que se verificam no cerne do espaço geográfico onde nos situamos, são tanto mais evidentes quanto as consequências que determinados actos ilícitos têm ao nível penal. Para situações que podem servir de instrumentos ao desenvolvimento do terrorismo, as sanções muitas vezes aplicáveis, e que decorrem naturalmente do que é possível apurar em sede de processo-crime e de julgamento, são autênticas bagatelas penais cujos efeitos se traduzem na libertação, pouco tempo depois, dos arguidos e muitas vezes também na impossibilidade de se proceder ao afastamento para o país de origem dos envolvidos.
Perante esta constatação deve-se desenvolver trabalho e recolha de informação, com operacionais bem treinados no terreno, cuja acção, para além de alimentar as investigações judiciárias, permite uma aproximação dos analistas à realidade do terreno, possibilitando simultaneamente a implementação de intervenções proactivas que dificultem a acção de recrutadores, dando-nos a nós um conhecimento muito próximo de células que se pretendam disseminar por diferentes espaços geográficos.

A falsificação de documentos


O universo do mercado que procura este tipo de solução é amplo: terroristas, delinquentes, imigrantes oriundos de África, América Latina, Europa de Leste e Ásia diz bem da procura dos ambicionados documentos. Na realidade constata-se que, fruto de uma incessante demanda, o valor dos documentos atinge preços exorbitantes. Determinado tipo de solicitações, que podem levar a uma falsificação intelectual[2] dos documentos, impossibilitando a verificação de uma falsificação material[3], podem facilmente atingir os 5.000,00 €.
Os grupos marginais existentes nas sociedades europeias (como os da toxicodependência ou da prostituição, por exemplo) permitem obter expedientes impensáveis, a troco de quantias irrisórias, da parte de quem pretende obter um documento falso. Aos dependentes da droga, por menos de 100,00 €, consegue-se, na maior parte dos casos, comprar o Bilhete de Identidade com vista à sua falsificação e a obtenção fraudulenta do respectivo passaporte (genuinamente emitido). Na área da prostituição ou da de muitas jovens em frágil situação económica verifica-se uma tendência para a venda dos documentos de identidade e para a criação dos chamados «casamentos brancos», simulados com imigrantes oriundos de países teocráticos de matriz fundamentalista islâmica, cujo único objectivo é a obtenção fraudulenta de um cartão de residente comunitário. Nestes casos o nubente originário de um país terceiro obtém um documento de um Estado-Membro que permite, à semelhança de um qualquer cidadão da União Europeia, o acesso a direitos essencialmente a estes reservados e que assentam essencialmente na sua legalização e possibilidade de livre circulação.
O fenómeno verifica-se em diversos países e constata-se em Portugal, Bélgica, Reino Unido e países nórdicos, onde cidadãs da União Europeia circularam por diversos Estados-Membros, com o propósito único de se casarem com um desconhecido a troco de uma determinada quantia.
Quanto à produção específica dos documentos falsos, a sua actividade tem muito a ver com as ligações perigosas entre os mais diversos tipos de crime: crime organizado, associações criminosas ligadas à imigração ilegal, extorsão, tráfico de droga, falsificação de cartões de crédito, etc. Na maior parte dos casos estamos perante grupos de criminosos que apenas visam o lucro e envolvem cidadãos nacionais dos Estados-Membros. O caso português é paradigmático, sendo que a falsificação, como arte, está ligada essencialmente a cidadãos nacionais que, a bom preço, fornecem documentos a imigrantes ilegais provenientes de regiões de risco, pouco importando as consequências de tal actividade, mesmo que sejam os inimagináveis acontecimentos do World Trade Center ou dos comboios da Estação de Atocha.

Esta realidade está muito próxima do que se pode caracterizar, dentro dos esquemas de comunicação em rede que se desenvolvem no seio das organizações marginais, como uma prestação de serviços em que se satisfaz a pretensão do cliente procurando-se sempre não estabelecer uma relação que permita identificar uma ligação de associação entre os intervenientes neste processo. À semelhança das organizações formais funciona aqui o princípio do need to know.
Procura-se em muitos dos casos que a informação seja compartimentada, evitando-se mesmo saber as actividades dos intervenientes envolvidos no negócio. A única coisa que aqui se respeita é o dinheiro que tem de estar presente nos compromissos assumidos para certificar as relações deste mercado paralelo.
Na prática, o que se verifica é que o universo e o ambiente em que se desenvolvem as relações entre os imigrantes clandestinos originários das regiões atrás mencionadas e o espaço em que se desenvolvem as actividades ligadas ao terrorismo são comuns; esta realidade permite-nos perceber que a circulação de informação marginal, perigosa, se move em espaços muito ligados aos fluxos migratórios ilegais. Neste momento é impensável, no seio da comunidade de informações, a projecção de trabalhos sem a intervenção de um serviço de segurança que assente a sua actividade no combate aos fluxos migratórios irregulares e que, fruto da sua competência, tem que ter, naturalmente, uma capacidade e um conhecimento destas realidades que não deve ser desperdiçado.
A investigação criminal direccionada para o combate à imigração ilegal, pela capacidade de informação que permite obter, não só em sede de processo crime mas também nos casos de conhecimento de informação especulativa que possibilita, de forma preventiva, a intervenção dos serviços e forças de segurança, é uma vertente que deve ser desenvolvida nos próximos tempos e alicerçar-se numa base de troca de informação transnacional, sendo aqui de salientar o trabalho já feito ao nível da Europol estrutura para a qual Portugal tem remetido uma quantidade assinalável de informação.
Neste momento, face à apetência que existe pela obtenção de documentos falsos, o risco que se corre em Portugal é o de se tornar um país prestador, por excelência, deste tipo de serviços, razão naturalmente óbvia para que se verifique uma procura do nosso país do lado de quem desenvolve actividades nesta área da criminalidade.
O minimizar deste risco vai obrigar a que, muito urgentemente, se implementem pelo menos duas medidas: (i) a criação de um modelo mais seguro do Bilhete de Identidade (estes trabalhos estarão actualmente em curso); (ii) a reconcepção da base de dados nacional onde são armazenados os dados biográficos e fotográficos dos cidadãos portugueses, sendo que é desejável que este modelo se aproxime daquele que foi concebido para o da concepção dos passaportes portugueses.
A inépcia no que concerne a estas questões, a curto prazo, põe claramente em causa a segurança nacional.

A posição estratégica de Portugal e a sua relação com diferentes espaços


É fundamental para Portugal perceber, neste sector, quais os espaços regionais mais importantes para uma definição de prioridades. A nossa posição geográfica, no extremo ocidental da Europa, eventualmente periférica para determinadas actividades, faz de nós um país procurado por quem se dedica, de forma organizada ou singular, a actividades ligadas à imigração ilegal, falsificação de documentos e por toda uma série de criminalidade conexa aos fluxos migratórios irregulares.
Do espaço atlântico, Portugal é diariamente pressionado a partir da América do Sul, e muito particularmente do Brasil, com rotas aéreas directas ou com ligações a algumas capitais europeias como Madrid, Paris e Amesterdão, que têm como destino Portugal ou a sua utilização em trânsito, por períodos previamente estabelecidos, para se atingirem países como o Reino Unido, os Estados Unidos da América ou Canadá. Da costa ocidental africana deparamo-nos com uma ameaça, por via marítima, que nos deve obrigar proactivamente a pensar numa hipótese de tais riscos chegarem à nossa costa. As movimentações no Golfo da Guiné indicam claramente a possibilidade de estabelecimento de rotas migratórias a partir daquela região; das rotas subsaarianas que por via terrestre chegam a Marrocos e que visam essencialmente território espanhol, podemos ter reflexos no nosso país. Há que ter presente, uma vez mais, que alguns dos países utilizados nestas rotas, devido à debilidade das suas estruturas, são extremamente permeáveis à acção de grupos criminosos ou células terroristas. Mesmo que estes espaços reflictam uma certa preponderância das organizações criminosas nigerianas o panorama é preocupante. Por fim, e relativamente à Europa Central e de Leste, constata-se um fenómeno migratório desregulado e em massa, a partir do qual se implementaram canais imparáveis com proveniência de países tais como a Ucrânia, a Moldávia, a Roménia ou a Rússia, do qual Portugal é testemunho assinalável desde a segunda metade da década de noventa.
A diferença fronteiriça que marca o espaço de segurança afastou-se irreversivelmente para leste. Portugal tem com Espanha um mero apontamento administrativo a marcar a diferenciação de territórios e a realidade obriga-nos a rever conceitos e estratégias de segurança e defesa.
O turbilhão da globalização obriga a um reposicionamento que deve ter em conta os interesses específicos de Portugal, e os seus interesses enquanto membro de um espaço poliárquico. E se é verdade que em muitos casos os interesses coincidem, não é menos verdade que, em muitos outros, vontades particulares se sobrepõe ao interesse colectivo – o caso dos vistos emitidos descontroladamente pela Alemanha, em Kiev, e que atingiram Portugal independentemente da nossa vontade, é disso uma crua constatação. Este é apenas um exemplo demonstrativo de que a ideia do «espaço vital» (Lebensraum) tão cara aos alemães pode não ser exactamente coincidente com a de outros Estados-membros da União Europeia. A visão estratégica em que a referida questão dos vistos foi concebida, foi apenas uma opção tacticista que objectivamente pretendeu retirar a Ucrânia da esfera de influência russa, apelando a uma relação acima de tudo centrada na Alemanha. Os danos colaterais desta opção atingiram outros Estados-Membros com claros efeitos no panorama criminológico. No caso português, verificou-se uma alteração irreversível que vai obrigar a alterar conceitos e metodologias de investigação.
É nesta perspectiva de alargamento de espaços em que se movimentam bolsas de imigrantes, do Leste da Europa ao Oceano Atlântico, e das mais diversas nacionalidades, que temos doravante de perspectivar, trabalhar e conceber a troca de informação entre os nossos parceiros. A forma como se diluíram as fronteiras permeabiliza o espaço em que estamos inseridos. É assim que, a outro título, o conflito checheno dá origem à possibilidade de integração e/ou inflitração de indocumentados – que na generalidade dos casos a própria Federação Russa tem dificuldade em reconhecer – nas fileiras irregulares de imigrantes.
Não sendo a partir de agora possível a reversibilidade desta tendência, podemos e devemos olhar para outros espaços. Com a implementação de especializações em determinadas áreas e, nesta óptica, como país prestador de serviços devemos estudar, por forma a beneficiarmos a União Europeia em que nos inserimos, uma concepção estratégica para a utilização do triângulo atlântico (do Norte de África / Mediterrâneo, passando por Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Brasil) por forma a consolidar-se enquanto local por excelência da dinamização de informações que visem assegurar a segurança interna do país e da área política, geográfica e económica de que Portugal é parte integrante.
Esta mais valia, não só para a União Europeia, mas também para a relação transatlântica com os EUA e o Canadá, poderá ser algo que faça de Portugal um parceiro respeitável e a ter em conta no combate transnacional, tão necessário nos nossos dias, nas mais diferentes áreas do crime.
Para nós portugueses, por se encontrar claramente num espaço das relações internacionais que interage com o nosso país, Cabo-Verde merece uma particular atenção; só o facto de estar na ordem do dia, pelo menos ao nível académico, o debate sobre a sua integração ou não na União Europeia, merece que desde já, do ponto de vista estratégico, façamos o trabalho de casa.
Cabo-Verde é um espaço de tranquilidade e com uma democracia implementada que faz inveja ao continente em que está inserido, razão por si só a ter em conta na capacidade de atracção que já exerce junto de muitos países em seu redor. Quanto às vantagens do seu posicionamento geográfico, o arquipélago de Cabo Verde fala por si. Mais não seja por estes dois factores referidos (consolidação democrática e posicionamento geoestratégico) talvez fosse prudente equacionar de igual modo e seriamente um eventual alargamento da influência da NATO àquele país do Atlântico.
A ter em conta como um óbice à perspectiva de equilíbrio regional face ao espaço em que actualmente se insere aquele arquipélago, é a influência que a Nigéria tem em toda a região: país muçulmano, o mais populoso de África e com um domínio económico na zona, que advém das suas explorações petrolíferas.
Mas a dinâmica nigeriana não se limita às potencialidades económicas referidas, possuindo igualmente uma das mais poderosas estruturas de crime organizado cujas actividades vão muito para além do continente em que se inserem; imigração ilegal, tráfico de seres humanos, tráfico de droga e falsificação de documentos e cartões de crédito, para só citar alguns exemplos, são referências já registadas e a ter em conta junto das polícias europeias e americanas.
Os indícios da sua presença em Cabo-Verde já se fazem notar, utilizando aquele país como placa giratória para muitos dos seus negócios, alguns dos quais passam por Portugal e têm o Brasil como rota de destino.
Portugal
O desafio que Portugal enfrenta nesta matéria prende-se muito com a capacidade de restruturação por parte dos serviços de informações e dos serviços de segurança.
A procura de eficácia e a projecção concertada da actividade investigatória e do acesso à informação, devem nortear os objectivos deste empreendimento. A criação de um Gabinete de Estudos Estratégicos (sob a tutela do Ministro da Administração Interna) que não dependa em exclusivo dos diversos serviços e forças de segurança mas que conte com as suas estruturas e analistas próprios, poderá colmatar, nesta matéria, um hiato que se verifica na contribuição de estudos para a compreensão do fenómeno criminológico e a real situação da segurança interna do país.
A implementação de uma estrutura deste nível, devidamente apoiada pelos melhores sistemas de análise e software informático, com uma ligação directa aos diversos depósitos de informação de índole estratégica criada pelas instituições que trabalham nesta matéria directa, pode ser uma solução que deve ser ponderada.
Os 92.831 km2 do país não justificam, em nosso entender, a existência de tantas divisões e a produção de relatórios, vindos das mais diversas proveniências, muitas vezes difíceis de descodificar por quem tem uma percepção mais próxima da actividade operacional. A Áustria, país de pequenas dimensões como Portugal, pode servir de exemplo para a nossa tão hipotética quanto desejada restruturação, perspectivando-o para o nosso país, naturalmente adaptado à nossa realidade. Este país germanófilo adaptou, com sucesso, uma eficaz estrutura de centralização de análise no Ministério do Interior, com informação proveniente das mais diversas estruturas ligadas à investigação, segurança pública e polícia de imigração.
Sob o ponto de vista estratégico a constatação de tendências migratórias e criminológicas e as alterações que socialmente daí possam advir poderiam servir de orientações a quem tem a responsabilidade de definir políticas; aos serviços e forças de segurança, já devidamente informados do cenário mais abrangente em que se integram e trabalham, deixar-se-iam as informações de carácter táctico e operacional para a sua actuação.
Face ao que já foi dito e devendo esta preocupação ser estrutural à nossa sociedade, entendida e estudada de forma multidisciplinar, dar-se-ão passos importantes quando se perceber que não há lugar para a demagogia nos debates que têm necessariamente que ser feitos sobre esta matéria.


Notas


[1] Não havendo certeza absoluta dos números destas comunidades podem-se adiantar, quanto à sua dispersão pela Europa, os seguintes dados: França 7 milhões; Alemanha 3,45 milhões; Grã-Bertanha 1, 406 milhões; Itália 700 mil; Espanha 350 mil e Portugal 42 mil.
[2] Verifica-se a falsificação ou falsidade intelectual ou ideológica quando o documento não reproduz com verdade aquilo que se destina a comprovar, Código Penal, pág.776, anotações ao artigo 256º, alínea b), falsificação de documento, de Manuel Lopes Maia Gonçalves, 14ª Edição 2001, Editora Almedina.
[3] A falsificação ou falsidade material ocorre quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente, alínea a) do mesmo artigo, idem.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A sul de Luanda






Candengues de Cabo Ledo, o imbondeiro da terra e o Miradouro da Lua.

Antigo Colégio Universal, Luanda 2009





Só para recordar os antigos alunos do Colégio Universal, no Largo da Maianga, em especial os que estavam internados no Pensionato Universal e na Pensão Lisboa (1ª foto), mesmo ao lado do Colégio.