segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Tráfico de Seres Humanos

Colóquio Internacional

“Mulheres da vida”, mulheres com vida: Prostituição feminina, Estado e políticas"


Universidade do Minho, Outubro de 2005



I



Introdução

Aproveito a oportunidade para agradecer à organização do colóquio, nomeadamente ao Sr. Professor Manuel Silva, tão honroso convite.

A minha participação neste evento não pode naturalmente estar separada da experiência profissional que acumulo desde 1991, data em que ingressei no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, decorrendo como consequência da minha intervenção o interesse em estabelecer-se, de forma genérica, uma relação entre o fenómeno migratório, à escala global, nos nossos dias e a presença no país e nas regiões transfronteiriças de cidadãs estrangeiras com ligações ao mundo da prostituição.
Desde logo importa trazer à colação a definição de conceitos para se saber com que fenómenos somos confrontados, constando-se a partir daqui uma ligação a uma realidade criminológica e quais as suas consequências no tecido social, podendo essa censurabilidade estender-se à perspectiva penal para uma eventual punição.
No que concerne a cidadãs estrangeiras detectadas em Portugal, num fenómeno muito semelhante que se estende à escala planetária, é importante perceber, desde logo, as dinâmicas e características de cada fluxo migratório, e por isso mesmo vou-me circunscrever essencialmente a dois destes fluxos: (i) com origem na América Latina e (ii) oriundo do Leste da Europa.
Por norma, sendo a prostituição uma actividade marginal – mesmo não sendo punida criminalmente é-o socialmente –, leva a que as primeiras leis a serem violadas por cidadãs estrangeiras sejam as que regulamentam a imigração nos países de destino. O que é desde logo importante perceber é se estamos perante estruturas organizadas que suportam, alimentam e incentivam o fluxo migratório com o objectivo de manter e dominar redes de tráfico de pessoas, ou se o fenómeno tem uma dimensão baseada em estruturas sociais débeis nos países de origem que alimentam naturalmente o fluxo migratório a partir das comunidades alvo, sendo a iniciativa, em diversas circunstâncias, tomada a partir de uma reflexão estritamente pessoal.
São essencialmente mulheres, no caso latino americano, com origem em famílias desestruturadas, mães solteiras desde a adolescência, com fragilidades económicas, baixa condição social, ou também, já a partir de centros urbanos mais desenvolvidos, mulheres com expectativas de consumo que não podem materializar caso se mantenham nos países de origem.
Atrever-me-ia a dizer que em Portugal, muito à semelhança do que acontece no resto da Europa temos um pouco de tudo isto, sendo muito importante termos algumas cautelas nas considerações gerais, por vezes extremamente abusivas, no desenho da realidade.
Importa por isso ser claro na forma como caracterizamos o fenómeno e o abordamos junto da opinião pública: o tráfico de mulheres para exploração sexual tem um peso relativamente diminuto se o analisarmos à luz da problemática da imigração ilegal[1] e tráfico de imigrantes[2] como um todo e cujo objectivo deste tipo de negócio, à semelhança do que acontece de qualquer empresa capitalista legal, é o lucro só que, neste caso, completamente livre de qualquer taxa fiscal.


II



A imigração ilegal e as vítimas tráfico de seres humanos

Perante este cenário é fácil percebermos que estamos perante um processo perigoso, principalmente nos esquemas especialmente direccionados para os enredos característicos da prostituição que tem como características as condições degradantes com que o ser humano é tratado, ainda que em diversas circunstâncias este processo tenha o seu aval; por outro lado as vítimas de tráfico nunca aceitam tal submissão e se numa fase inicial o fazem devemos ter como atenuantes as condições coercivas a que estão sujeitas, não sendo despiciente a forma abusiva como são introduzidas neste tipo de redes sujeitas a abusos que podem inclusivamente colocar em causa a sua integridade física.
Outra diferença substancial é a de que a participação de terceiros no auxílio à imigração ilegal termina no momento da chegada dos imigrantes ao país alvo; pelo contrário a vítima de tráfico sujeita-se, muito para lá deste momento, a diversos tipos de aproveitamentos dos traficantes, de forma continuada no país de destino. Uma consequência muito directa sobre as vítimas deste tipo de crime é a forma como de tal modo são afectadas e dificultam a sua saída das redes, tornando-as novamente sujeitas ao re-trafficking[3], sujeitando-se novamente a uma vitimização da qual não conseguem escapar.
É a partir destes cenários que se deve analisar cada fluxo migratório per si, o caso sul-americano espelha bem as circunstâncias em muitas das mulheres envolvidas neste tipo de teias chegam a Portugal e à Europa.
Tal como tive oportunidade de referir anteriormente a dimensão deste fenómeno tem a dimensão que tem em Portugal, somos o país que somos tendo em conta a nossa dimensão geográfica – 92391 Km2 – e a nossa dimensão económica; se estabelecermos termos de comparação com a vizinha Espanha facilmente perceberemos que as capacidades de atracção são absolutamente diferentes, pormenor a que não é alheio o desenvolvimento dos dois países e também, porque não dizê-lo, a dimensão demográfica – 10 milhões de habitantes em Portugal para 40 milhões de habitantes para a Espanha.
A violência das formas de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos como características transversais a este fenómeno são muito mais acutilantes noutros países, nomeadamente da UE, do que em Portugal onde são a excepção que confirma a regra.
O fenómeno sul-americano não assenta necessariamente nos mesmos esquemas do leste da Europa, no Brasil, por exemplo, temos uma realidade de tráfico interno de dimensões incomparáveis à realidade de Portugal, onde muitas das mulheres assinaladas foram vítimas de um processo migratório interno, em muitas circunstâncias ainda menores de idade, dos Estados do interior para as grandes cidades; muitas foram detectadas naquilo a que as autoridades brasileiras chamam de tráfico infanto-juvenil, com a cumplicidade dos próprios pais, e todo o seu universo e desenvolvimento como seres humanos, até à idade adulta em que chegam à Europa, desenvolve-se inserido neste tipo de ambiente.
Importa perceber aqui a realidade do fenómeno migratório ilegal brasileiro com destino a Portugal e a forma como se estabelecem as pontes a partir do outro lado do Atlântico para que a abordagem a esta problemática não nos conduza a equívocos.
Neste caso os canais migratórios alimentam-se naturalmente por si mesmo: a grande vantagem da isenção de vistos, a forma apelativa como as notícias chegam a terras de Vera Cruz, a familiaridade das relações, traduzem uma imigração impulsionada de “boca em boca” que estão na base do “boom” brasileiro em Portugal, seja para a imigração legal que respeita as normas, seja para a imigração ilegal conexa ao tráfico de seres humanos.
Estamos perante um novo paradigma em que perante um esquema migratório desorganizado na sua essência, sentimos a sua penetração no nosso tecido social e na actividade quotidiana e ao qual reagimos essencialmente punindo os actores que individualmente surgem como imigrantes ilegais, não transferindo consigo estruturas criminosas, organizadas em grupo, para estabelecer em Portugal.
Resulta daqui que a uma eventual censurabilidade social não se traduz uma censurabilidade penal, quer isto dizer que as rotas utilizadas neste fluxo migratório não estão a ser pensadas numa perspectiva exclusiva dos interesses de formas organizadas de crime, não havendo uma estratégia de estruturas consolidadas entre o Brasil e Portugal.
No caso concreto os factores de propulsão são de tal forma voláteis que se materializam de forma inesperada e junto de comunidades não necessariamente tuteladas pelo crime organizado.




Quadro 1[4]


Se o Quadro 1 nos mostra a tendência geral dos fluxos migratórios em direcção a Portugal, mesmo considerando que em determinados momentos poderá, fruto das mais diversas conjunturas, sofrer estagnações ou retrocessos, o quadro que se segue mostra a forma como se ultrapassam as restrições nas ligações directas entre Portugal e a América do Sul, optando as pessoas por viajar em trânsito por outros países, como por exemplo a França, a Espanha, a Holanda ou a Itália, para alcançarem por ligações internas (aéreas ou terrestres) na União Europeia (UE) o país em que visam fixar-se, conseguindo furta-se a muitos dos obstáculos legais que impedem a sua entrada numa ligação directa.








Quadro 2[5]


O elevado número de recusas de entrada, principalmente no Aeroporto de Lisboa, fronteira externa da UE prova a validade desta opção e justifica as alternativas de percurso a que atrás nos referimos (ver Quadro 3 e 4).




Quadro 3[6]




Quadro 4[7]



Relativamente a estes dados importa referir que os mesmos serão meramente indicativos, podendo ajudar-nos como ponto de partida para um estudo ou reflexão sobre este tema, não sendo líquido que a todas as mulheres a quem foi recusada a entrada se possa estabelecer uma ligação com a prostituição ou outra qualquer forma de tráfico. Outra perspectiva se poderá ter quando, fruto da acção de investigação e/ou fiscalização do SEF, são detectadas cidadãs estrangeiras, ilegalmente no país, a trabalhar em bares de alterne ou casas ligadas à prostituição, mas mesmo nestas circunstâncias é preciso perceber a forma como foram integradas neste tipo de actividade para se tecer algum juízo de valor (ver Quadro 5).
Face ao até agora exposto e percebendo-se a tendência e rotas dos fluxos migratórios e às quais se juntarão características próprias do país é compreensível a tendencial localização destas cidadãs nas regiões transfronteiriças, até pelo aspecto de novidade do fenómeno, sendo usual a circulação destas mulheres por regiões, aspecto importante a salientar, permanecendo conforme as conveniências entre estabelecimentos de ambos os lados da fronteira.
Neste caso a dinâmica das regiões, atendendo ao grau de desenvolvimento que têm, poderá, independentemente da vontade dos países, ter uma acção autónoma e catalizadora deste tipo de fenómeno, sendo uma dificuldade acrescida para as autoridades, em casos de investigação criminal, tendo em conta a grande mobilidade que as regiões transfronteiriças permitem aos envolvidos neste tipo de actividade.
Mas para não me alongar muito mais há algo na base de tudo isto e que merece ser salientado: as péssimas condições e fragilidades económicas em que as mulheres se encontram nos países de origem. Este factor, que não é de somenos importância, aparece como elemento condicionador da vontade das mulheres, fragiliza-as de tal modo perante eventuais recrutadores, tornando ponto assente, do ponto de vista internacional e que se está a transportar para as legislações internas, que o “consentimento” das vítimas não beneficia os infractores.






Quadro 5[8]


No caso do fluxo migratório originário do leste da Europa, principalmente a partir da Ucrânia e Moldávia, a realidade assume contornos diferentes.
Quanto a este problema pode-se afirmar com mais precisão que o tráfico de imigrantes de uma forma geral, e o das mulheres em particular obedece, de forma muito específica, às exigências de estruturas criminosas organizadas que visam o lucro à semelhança das vulgares empresas capitalistas.
Mas mais uma vez importa referir que no âmbito do tráfico de imigrantes em geral, a dimensão do tráfico de mulheres originárias do leste da Europa para exploração sexual é na realidade diminuta tendo em conta as possibilidades que o nosso país, como mercado, oferece.
A grande diferença, no caso em apreço, é que entre os países de origem a Leste, especialmente a partir da Moldávia e da Ucrânia, se consolidam e transferem estruturas criminosas a pensar numa ocupação de espaços: os locais de origem, os países de trânsito e os de destino.
A lógica de implantação para afirmação destes grupos está relacionada com uma perspectiva económica, que permita a fluidez da circulação monetária através do que a Interpol define como “underground banking system”, permitindo assim o financiamento[9], completamente à margem do sistema legal, das estruturas sede localizadas nos países de origem.
Naturalmente que o tráfico de mulheres tem nestas estruturas uma capital importância face ao dinheiro que gera, porque o mundo da prostituição tem naturalmente procura e as capacidades de recrutamento para oferta são imensas em países social e economicamente debilitados como são os que integraram a extinta URSS.
Neste casos, as identificações feitas, permitem sem qualquer dúvida tipificar as mulheres como vítimas, sendo estas claramente enganadas e forçadas, fora do seu país, sob um manto de silêncio e temor reverencial, a calar a indignidade a que são sujeitas, muitas delas vendidas e escravizadas sexualmente.


Quadro 6[10]




A documentação utilizada, passaporte e visto, para saída da Moldávia e Ucrânia, legalmente emitidos são demonstrativos da forma refinada da actuação das organizações e espelham desde logo o engodo em que vão cair as mulheres, não sabendo estas sequer qual o país de destino escolhido para si, até neste pormenor as rotas são impostas pela organização.
Quanto à realidade a uma escala mais alargada, perspectivando a imigração ilegal e o tráfico de seres humanos, pode-se dizer que o fenómeno atinge-nos mas não tem as dimensões de países como a Turquia e Rússia, que também devem ser vistos como regiões de trânsito para o Médio-Oriente, países árabes, e Extremo-Oriente, principalmente no que diz respeito à procura de cidadãs ucranianas; no caso das cidadãs moldavas, e tendo em conta não só relatórios internacionais mas também a nossa experiência de investigação criminal, a Itália e Espanha são os “target countries” mais visados, utilizando preferencialmente as rotas dos Balcãs e as acessibilidades à Roménia para depois conseguirem, mais facilmente, entrar no espaço Schengen.





Quadro7[11]



III


Conclusão

Face ao quadro actual, e tendo por base os relatórios das Nações Unidas, há um traço comum nas tendências do tráfico humano: as pessoas são recrutadas, ou raptadas em muitos casos nos seus países de origem; utilizam-se certas regiões ou países para trânsito e o objectivo final é sempre o mesmo – a exploração a que são sujeitas nos países de destino.
Ainda que se tenha que acautelar características regionais para se tipificarem situações concretas e definirem conceitos, em ordem de grandeza estima-se uma movimentação de pessoas entre espaços de 127 países para 137 países[12], isto porque muitos dos países mencionados não são apenas de origem e/ou destino mas simultaneamente origem e destino, sendo muitos deles caracterizados com incidências elevadas de tráfico interno.
Mas para termos uma noção ainda mais exacta, para além dos canais estabelecidos entre regiões e países, veja-se o altíssimo número de pessoas envolvido neste atentado à dignidade humana: segundo a Organização Internacional do Trabalho 1,2 milhões de pessoas são vítimas de tráfico e 1,8 milhões de pessoas estão envolvidas na prostituição e/ou pornografia; no caso da UNICEF os dados apontam para 1milhão de mulheres exploradas sexualmente.




Quadro 8[13]


A este respeito nunca é demais citar a Convenção do Conselho da Europa de luta contra o tráfico de seres humanos: “O tráfico de seres humanos constitui uma violação dos direitos humanos e uma ofensa à dignidade e integridade dos seres humanos”.
Cumpre a cada um de nós, quer enquanto indivíduos, quer enquanto Estados que pugnam pelo valor civilizacional atrás citado, o combate a este flagelo e que não deve ter tréguas, sendo importante que a educação cívica nas escolas integre este tipo de matérias para que o mundo, já por si desequilibrado nas relações de desenvolvimento económico, possa no mínimo, ser sonhado de forma bastante diferente.
Esta foi apenas uma abordagem parcial a este problema, como atrás mencionei existem diferenças de país para país, não havendo remédios miraculosos a la carte para os resolver de forma idêntica, veja-se por exemplo os problemas de África nesta matéria que devem ser abordados de forma diferente, sendo necessário perceber o universo cultural em que as pessoas se movimentam para podermos almejar uma solução. O caso da Nigéria é em si paradigmático e faz de si um dos principais países daquela região, como fonte para o tráfico de mulheres.
Nem sequer abordo os quantitativos monetários envolvidos neste tipo de transacção e que são amiúde divulgados pelos media; é muito difícil ser preciso neste ponto e desde logo pela fiabilidade dos dados. Se a ONU recebe estes elementos a partir dos membros com base em casos concretos resolvidos do ponto de vista criminal e com investigações levadas a bom porto, isto é com condenações dos arguidos e a apreensão dos bens materiais, ressalta-nos sempre uma dúvida: como se chega ao valor da actividade específica do tráfico de mulheres? A experiência diz-me que na maior parte dos casos, como procurei demonstar nos gráficos anteriores relativos a associações criminosas, existe uma multiplicidade e uma concorrência de crimes perpetrados de forma conexa, sendo que a exploração sexual pode nem ser a actividade estrutural da associação criminosa, tornando muito difícil, em sede processual, a contabilização exacta dos proventos desta actividade, razão pela qual, outrossim, se opta por uma contabilização genérica dos lucros obtidos pela associação criminosa.
Agradeço mais uma vez a possibilidade que me foi dada em participar em tão prestigioso evento, este foi o meu ponto de vista, reflecte naturalmente a minha experiência profissional, mas espelha também uma visão muito pessoal, e emocional, do problema.
O século XXI, em minha modesta opinião, fará emergir um sem número de problemas relacionados com os fluxos migratórios, o que aliás nem sequer é novidade, basta recordar Francis Fukuyama que passo a citar: “Em muitos aspectos, os mundos histórico e pós-histórico manterão existências paralelas, mas diferenciadas, com relativamente pouca interligação entre si. Haverá, todavia, diversos eixos ao longo dos quais estes dois mundos poderão colidir. O primeiro relaciona-se com o petróleo (…).
O segundo eixo de interacção é actualmente menos perceptível do que o petróleo, mas, a longo prazo, poderá ser mais perturbador: tem a ver com a imigração. Verifica-se presentemente um afluxo constante de pessoas dos países pobres e instáveis para aqueles que são ricos e seguros, o que está a afectar virtualmente todos os estados do mundo desenvolvido. Este afluxo, que tem vindo a aumentar nos últimos anos, pode acelerar-se repentinamente devido a tumultos no mundo histórico. Acontecimentos como a desintegração da União Soviética, a irrupção da violência étnica na Europa de Leste ou ainda a absorção de Hong-Kong por uma China comunista sem reformas poderão dar azo a maciças transferências de populações do mundo histórico para o pós-histórico.”




Braga, Outubro de 2005




José van der Kellen
Inspector Superior do SEF
Director Regional do Algarve




Notas


[1] A imigração ilegal é, em qualquer circunstância, um fenómeno transnacional que obriga à transposição de fronteiras, o que não é obrigatório que aconteça com o tráfico que pode ter característica endógenas em determinados países com o desenvolvimento do tráfico interno, movimentando-se as pessoas de um local para o outro tendo em conta os interesses do momento, funcionando também aqui uma lógica de mercado.


[2] De acordo com a Convenção Europol o Tráfico de seres humanos é definido como a forma de submeter uma pessoa ao poder real e ilegal de outrem, mediante recurso à violência ou a ameaças, abuso de autoridade ou a utilização de subterfúgios. Não restringe o crime de Tráfico de pessoas apenas para fins de exploração sexual.


[3] Re-trafficking, conceito anglófilo, muito usado ONU retrata o fenómeno a que são sujeitas, as mulheres nomeadamente nigerianas, que mesmo que se consigam libertar em determinado momento das redes acabam por regressar à condição de vítimas por não haver um plano de apoio e integração que as ajude a manterem-se afastadas deste tipo de redes. A expulsão ou o repatriamento, para os Estados a solução mais fácil, acaba por ser um reencaminhamento para o estatuto de vítima a que entretanto foram sujeitas face à rejeição social e familiar nos países de origem.


[4] Fonte SEF


[5] Fonte SEF


[6] Idem


[7] Fonte SEF


[8] Fonte SEF

[9] “Obchak”, expressão russa para definir a contribuição para o fundo financeiro das organizações. Normalmente as remessas são enviadas, informalmente, para as altas chefias nos países de origem.


[10] Estrutura genérica, organizada em pirâmide, de uma associação criminosa da Europa de Leste.


[11] Diagrama de conexões de associação criminosa da Europa de Leste.


[12]United Nations Office on Drugs and Crime.


[13] Fonte: United Nations Office on Drugs and Crime.











terça-feira, 24 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Terrorismo

As redes de imigração ilegal e o fenómeno do terrorismo
Texto de 2005

Um dos actuais dilemas da Europa resulta do confronto entre a necessidade de segurança, da qual pode resultar uma desadequada e excessiva restrição das políticas migratórias, e os não menos necessários fluxos migratórios que rejuvenesçam a sua população e possibilitem a execução de uma série de trabalhos, muitos ditos de menor dignidade social, para os quais os europeus já não estão virados.
Associado ao problema do envelhecimento da população, a Europa está confrontada com um receio enorme de ver a sua matriz e identidade culturais completamente alteradas pelos povos que demandam o velho continente. Não se preparou em devido tempo e, do alto do seu desenvolvimento e qualidade de vida, não teve a percepção que homens e mulheres deserdados de outras paragens aguardavam o momento oportuno – chegado com o advento da globalização – para darem corpo aos canais migratórios antes estabelecidos pelos próprios europeus. Estes canais migratórios, de origem europeia, tiveram, em grande parte, no inevitável movimento descolonizador que irrompeu entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos sessenta, a inversão do sentido de movimentos.
Passamos a ser alvo, e não fonte, dos movimentos migratórios. Chegado o momento de inversão das tendências, os Estados da velha Europa, atónitos, parecem não ter dado conta da mudança registada.
Este dilema, que tem servido de arma de arremesso político no seio de cada país, serve antes do mais para um combate estéril entre esquerdas e direitas, acabando por não ter o tratamento adequado nos diversos campos transversais das ciências sociais. Tardam as perspectivas de médio e longo prazo, através de uma intervenção directa na gestão dos fluxos migratórios pelos Estados alvo, o que resulta no seu enfraquecimento e visível marginalização face ao fenómeno.
O alheamento dos estados da União Europeia, que só recentemente começaram a debruçar-se sobre o problema, levou a uma vacatura na intervenção da regulação a que os fluxos migratórios deveriam estar sujeitos, não se verificando a intervenção de qualquer elemento formal na dinâmica que começa a constatar-se a partir do final dos anos oitenta e que se prolongou até aos dias de hoje.
Quando o problema do direito dos imigrantes chega à opinião pública e começa a ser discutido, já os Estados estão atrasados no preenchimento do lugar vago para intervir nos fluxos migratórios. Uma plêiade de formas de crime – organizada ou singular – passa a gerir aquele que pode muito bem ser o grande negócio do século XXI: o tráfico de imigrantes, sob as mais diversas formas.
Na prática, com uma promessa mais célere para se chegar ao sonho do el dorado, este sistema informal possibilita o acesso ao inimaginável sem as demoras burocráticas que antecedem a aposição de uma vinheta num passaporte.

As grandes rotas de acesso


A evolução do fenómeno que atrás foi sinteticamente exposto transporta para matérias de polícia a responsabilidade de conter a avalancha que diariamente atinge a Europa. Com esta perspectiva, a ideia de segurança e de fronteira (espaço que diferencia áreas geográficas, que delimita soberanias e que estabelece diferenças entre nós e os outros) passam a estar associadas.
Os espaços que rodeiam a Europa estão muito próximos do caos e apresentam-se como locais férteis para o desenvolvimento de estruturas do crime organizado na gestão do negócio do tráfico de imigrantes. Das regiões sob controlo das estruturas criminosas salientamos as seguintes: (i) Mediterrâneo Oriental; (ii) Norte de África; (iii) Costa Ocidental de África; (iv) Europa Central e de Leste e (v) Balcãs. Trata-se de rotas essencialmente terrestres e marítimas, embora se possam detectar conexões entre estas regiões e, por exemplo, o Médio Oriente feitas por avião como trajectos utilizados por fluxos migratórios irregulares.
À maioria de todos estes espaços se detecta um denominador comum: a permissividade relativa a doutrinas radicais do Islão, presentemente uma das grandes preocupações do Ocidente. Os fluxos migratórios originários das regiões fronteiriças à Europa originaram uma diáspora de forte coesão religiosa e cultural. Apesar da sua essência involuntária, esta diáspora é bem cimentada, baseando-se num sentimento de partilha de valores. O desafio radica, em grande parte, na forma como, numa perspectiva multicultural, se pretende fazer a integração de pessoas cuja percepção do mundo se baseia numa matriz religiosa.
Estamos perante duas vontades: uma, por parte dos países receptores, com a intenção de integração e de minimizar os choques entre quem está e quem chega; outra, da parte das comunidades imigrantes, com a intenção de, sobretudo, marcarem a sua diferença, delimitar territórios culturais e desenvolver estruturas que combatam uma matriz cultural que rejeitam liminarmente, no próprio núcleo territorial, cultural e económico dos que os recebem.

Das realidades regionais à globalização


Mais do que estruturas complexas e pesadas que facilmente podem ser detectadas, a imigração ilegal desenvolveu estruturas em rede, com uma enorme capacidade de desenvolverem a troca de informação, que servem na perfeição os modelos do terrorismo internacional, tendo como ponto de partida para a sua caracterização a «escola» da organização Al-Qaeda. A actuação a um nível global, como a que a Al-Qaeda iniciou a partir da ocupação soviética do Afeganistão, vê a sua capacidade de materialização aumentada através de uma dispersão em rede, característica das redes de auxílio á imigração ilegal, que facilmente podem por si ser manipuladas, ou mesmo meramente utilizadas como uma prestação de serviços que não necessitam de tutelar.
Quanto às comunidades de matriz cultural islâmica[1] que, a partir das rotas e regiões mencionadas anteriormente, possam parcialmente ter desenvolvido a sua diáspora através de canais migratórios na sua relação com as comunidades de destino, duas opções são colocadas: (i) uma perspectiva de integração, com uma visão multicultural aberta e geradora de desenvolvimento e que obriga a uma interacção entre os chegam e os que recebem; (ii) uma perspectiva fechada, de rejeição dos valores ocidentais, que desenvolve ghettos e, na prática, transfere realidades culturais regionais que pretende manter intocáveis, perspectivando um prolongamento do combate entre o Islão e as sociedades ocidentalizadas.
Como é do conhecimento de quem acompanha de perto o desenvolvimento deste fenómeno, os grupos islâmicos funcionam por diferentes níveis de operacionalidade e desenvolvem, na generalidade dos casos, combates que têm origem em causas locais ou regionais, a partir das quais procuram uma integração na dinâmica da jihad global.
O conceito de globalização, muito querido na actual dinâmica empresarial e do mundo dos negócios, que trespassa facilmente fronteiras e transforma o mundo numa aldeia global, adapta-se perfeitamente aos propósitos de grupos radicais, num momento em que a era da informação e o desenvolvimento inerente das novas tecnologias permitem ligações à escala mundial, permitindo formas de mobilidade muito difíceis de controlar.
As razões deste tipo de adesão a uma espécie de worldwideweb podem ser várias. Desde logo podem estar relacionadas com a implementação de medidas securitárias de um determinado governo, cujos efeitos podem potenciar factores de rejeição e de luta que conduzem a uma adesão à jihad global. Por outro lado, a simpatia por uma causa específica costuma também ser motivo de adesão a uma organização em rede. Finalmente, há que considerar a possibilidade de a adesão à jihad global poder conferir determinado tipo de proventos face à ligação entre muitas destas células e o tráfico de droga.
Deparamo-nos assim com uma plêiade de factores que interagem entre si e produzem, independentemente dos países e regiões em que se localizam, um considerável número de indivíduos com apetência para uma interpretação radical do Islão, que a partir de uma base sociológica sustentada pode determinar relacionamentos e conflitos à escala global. Com uma imigração fora do controlo das organizações governamentais, o desenvolvimento deste tipo de comunidades em redor de mesquitas lideradas por imãs com discursos inflamados contra o ocidente, acaba por originar, pela marginalidade social que encerra, a produção de ódios contra o ocidente e o seu modo de vida.
Este tipo de fenómeno ocorre e alastra-se também a muitos dos países árabes onde se desenvolvem correntes doutrinárias mais radicais; a adesão a esta linha de pensamento e acção é consequência do desenraizamento social de muitos “mujhaedin” entretanto regressados depois do voluntariado pela “jihad”, no Afeganistão ou nos Balcãs, onde interiorizaram, consolidaram e mitificaram o espírito, a luta e o sacrifício contra o Ocidente preconizados pela Al-Qaeda.
De tudo isto resulta claro que o combate ao fenómeno do terrorismo, que como se constata possibilita inúmeras possibilidades de recrutamento em ambos os lados da fronteira, não pode ser objectivo exclusivo do Ocidente sendo fundamental o envolvimento dos países árabes naturalmente conhecedores, melhores que ninguém, do ambiente em que tudo isto se desenvolve.

As comunidades islâmicas e a sua vulnerabilidade


Tal como anteriormente referido, na maior ou menor capacidade de integração estará o sucesso ou o insucesso do fenómeno migratório de matriz islâmica, competindo aos países receptores e de maior maturidade democrática, lutar pela harmonia entre comunidades e fazer reflectir esse sucesso na interacção necessária à diversidade cultural.
Do estrito ponto de vista da segurança interna dos Estados, tal não depende apenas das suas estruturas, ou tampouco das políticas que se pretendam implementar. Há uma dinâmica internacional, de características transnacionais e com implicações estratégicas nas relações internacionais que devem ser ponderadas; a realidade mostra-nos que muito do que está acontecer resulta de um desequilíbrio entre o mundo islâmico e o mundo ocidental, cujas origens podem ser parcialmente identificadas numa espécie de fractura estruturante entre as civilizações de orientação muçulmana e as ditas civilizações ocidentais. A psicologia das sociedades e os diversos estudos sociológicos e antropológicos sugerem que o desenvolvimento tecnológico europeu, grandemente baseado nas ciências desenvolvidas pela civilização muçulmana, pode ter aberto feridas e adensado o complexo «choque civilizacional» que se faz sentir até aos nossos dias. A expansão marítima portuguesa foi um exemplo disso, tendo dado início a um movimento renascentista que, progressivamente, massificou a cultura, os valores ocidental e o desenvolvimento económico à escala global.
Se é certo que tudo isto permitiu que em certas regiões se atingisse um elevado índice de desenvolvimento humano, não é menos verdade que não houve equilíbrio na distribuição da riqueza e no desenvolvimento daí inerente. Tudo isto se reflecte, de forma muito sentida, num tempo em que a era da informação que vivemos impede o desconhecimento de muitas destas razões como génese do problema.
É assim desde já possível saber como se vive do outro lado da fronteira e do outro lado do mundo; a dinâmica migratória torna-se inevitável bastando para tal ler o relatório do PNUD (ver quadro) e constatar o espaço de manobra que as pessoas têm para viver.





Com a aceleração da História e o desmoronamento do mundo comunista em que do ponto de vista histórico a queda do muro de Berlim foi e é uma referência, toda a dinâmica da relação de espaços e a visão de fronteira foi alterada. Muito provavelmente ainda demoraremos alguns anos para termos plena consciência das consequências do fim da bipolarização. De momento poderemos afirmar, sem margem de erro, que o final da Guerra Fria foi determinante para o novo e mais complexo fluxo migratório à escala planetária a que assistimos. A realidade dos fenómenos migratórios decorrente desta alteração nunca mais será a mesma.
De tudo isto há algo que urge perceber: se os Estados não tiverem capacidade de gerir os fluxos migratórios terão sempre problemas ao nível da sua segurança interna. O que se passa actualmente na Europa é claramente sintomático de tudo isto; os resultados na vizinha Espanha, com a investigação dos atentados às torres gémeas em Nova Iorque, mostraram-nos, ao nível da informação processual decorrente das investigações criminais, um número de trinta suspeitos a levar a julgamento. Destes, verificou-se que muitos não estavam em situação regular nem em Espanha nem em qualquer outro país europeu.
Se juntarmos a este pormenor o que se investigou e apurou relativamente aos atentados de 11 de Março em Madrid percebe-se facilmente a forma tentacular do terrorismo nos nossos dias e a sua ligação às bolsas irregulares de imigrantes.
Esta aparente contradição, com o recrutamento a constatar-se nos grandes centros urbanos da Europa, através de células e bolsas de imigrantes que gravitam ao redor de imãs e mesquitas, fazem do nosso continente, se não um alvo privilegiado, local por excelência onde se poderão desenvolver actividades que alimentam o terrorismo aos mais diversos níveis.
A preocupação dos serviços de informações e serviços de segurança sobre estas questões muito concretas, que se verificam no cerne do espaço geográfico onde nos situamos, são tanto mais evidentes quanto as consequências que determinados actos ilícitos têm ao nível penal. Para situações que podem servir de instrumentos ao desenvolvimento do terrorismo, as sanções muitas vezes aplicáveis, e que decorrem naturalmente do que é possível apurar em sede de processo-crime e de julgamento, são autênticas bagatelas penais cujos efeitos se traduzem na libertação, pouco tempo depois, dos arguidos e muitas vezes também na impossibilidade de se proceder ao afastamento para o país de origem dos envolvidos.
Perante esta constatação deve-se desenvolver trabalho e recolha de informação, com operacionais bem treinados no terreno, cuja acção, para além de alimentar as investigações judiciárias, permite uma aproximação dos analistas à realidade do terreno, possibilitando simultaneamente a implementação de intervenções proactivas que dificultem a acção de recrutadores, dando-nos a nós um conhecimento muito próximo de células que se pretendam disseminar por diferentes espaços geográficos.

A falsificação de documentos


O universo do mercado que procura este tipo de solução é amplo: terroristas, delinquentes, imigrantes oriundos de África, América Latina, Europa de Leste e Ásia diz bem da procura dos ambicionados documentos. Na realidade constata-se que, fruto de uma incessante demanda, o valor dos documentos atinge preços exorbitantes. Determinado tipo de solicitações, que podem levar a uma falsificação intelectual[2] dos documentos, impossibilitando a verificação de uma falsificação material[3], podem facilmente atingir os 5.000,00 €.
Os grupos marginais existentes nas sociedades europeias (como os da toxicodependência ou da prostituição, por exemplo) permitem obter expedientes impensáveis, a troco de quantias irrisórias, da parte de quem pretende obter um documento falso. Aos dependentes da droga, por menos de 100,00 €, consegue-se, na maior parte dos casos, comprar o Bilhete de Identidade com vista à sua falsificação e a obtenção fraudulenta do respectivo passaporte (genuinamente emitido). Na área da prostituição ou da de muitas jovens em frágil situação económica verifica-se uma tendência para a venda dos documentos de identidade e para a criação dos chamados «casamentos brancos», simulados com imigrantes oriundos de países teocráticos de matriz fundamentalista islâmica, cujo único objectivo é a obtenção fraudulenta de um cartão de residente comunitário. Nestes casos o nubente originário de um país terceiro obtém um documento de um Estado-Membro que permite, à semelhança de um qualquer cidadão da União Europeia, o acesso a direitos essencialmente a estes reservados e que assentam essencialmente na sua legalização e possibilidade de livre circulação.
O fenómeno verifica-se em diversos países e constata-se em Portugal, Bélgica, Reino Unido e países nórdicos, onde cidadãs da União Europeia circularam por diversos Estados-Membros, com o propósito único de se casarem com um desconhecido a troco de uma determinada quantia.
Quanto à produção específica dos documentos falsos, a sua actividade tem muito a ver com as ligações perigosas entre os mais diversos tipos de crime: crime organizado, associações criminosas ligadas à imigração ilegal, extorsão, tráfico de droga, falsificação de cartões de crédito, etc. Na maior parte dos casos estamos perante grupos de criminosos que apenas visam o lucro e envolvem cidadãos nacionais dos Estados-Membros. O caso português é paradigmático, sendo que a falsificação, como arte, está ligada essencialmente a cidadãos nacionais que, a bom preço, fornecem documentos a imigrantes ilegais provenientes de regiões de risco, pouco importando as consequências de tal actividade, mesmo que sejam os inimagináveis acontecimentos do World Trade Center ou dos comboios da Estação de Atocha.

Esta realidade está muito próxima do que se pode caracterizar, dentro dos esquemas de comunicação em rede que se desenvolvem no seio das organizações marginais, como uma prestação de serviços em que se satisfaz a pretensão do cliente procurando-se sempre não estabelecer uma relação que permita identificar uma ligação de associação entre os intervenientes neste processo. À semelhança das organizações formais funciona aqui o princípio do need to know.
Procura-se em muitos dos casos que a informação seja compartimentada, evitando-se mesmo saber as actividades dos intervenientes envolvidos no negócio. A única coisa que aqui se respeita é o dinheiro que tem de estar presente nos compromissos assumidos para certificar as relações deste mercado paralelo.
Na prática, o que se verifica é que o universo e o ambiente em que se desenvolvem as relações entre os imigrantes clandestinos originários das regiões atrás mencionadas e o espaço em que se desenvolvem as actividades ligadas ao terrorismo são comuns; esta realidade permite-nos perceber que a circulação de informação marginal, perigosa, se move em espaços muito ligados aos fluxos migratórios ilegais. Neste momento é impensável, no seio da comunidade de informações, a projecção de trabalhos sem a intervenção de um serviço de segurança que assente a sua actividade no combate aos fluxos migratórios irregulares e que, fruto da sua competência, tem que ter, naturalmente, uma capacidade e um conhecimento destas realidades que não deve ser desperdiçado.
A investigação criminal direccionada para o combate à imigração ilegal, pela capacidade de informação que permite obter, não só em sede de processo crime mas também nos casos de conhecimento de informação especulativa que possibilita, de forma preventiva, a intervenção dos serviços e forças de segurança, é uma vertente que deve ser desenvolvida nos próximos tempos e alicerçar-se numa base de troca de informação transnacional, sendo aqui de salientar o trabalho já feito ao nível da Europol estrutura para a qual Portugal tem remetido uma quantidade assinalável de informação.
Neste momento, face à apetência que existe pela obtenção de documentos falsos, o risco que se corre em Portugal é o de se tornar um país prestador, por excelência, deste tipo de serviços, razão naturalmente óbvia para que se verifique uma procura do nosso país do lado de quem desenvolve actividades nesta área da criminalidade.
O minimizar deste risco vai obrigar a que, muito urgentemente, se implementem pelo menos duas medidas: (i) a criação de um modelo mais seguro do Bilhete de Identidade (estes trabalhos estarão actualmente em curso); (ii) a reconcepção da base de dados nacional onde são armazenados os dados biográficos e fotográficos dos cidadãos portugueses, sendo que é desejável que este modelo se aproxime daquele que foi concebido para o da concepção dos passaportes portugueses.
A inépcia no que concerne a estas questões, a curto prazo, põe claramente em causa a segurança nacional.

A posição estratégica de Portugal e a sua relação com diferentes espaços


É fundamental para Portugal perceber, neste sector, quais os espaços regionais mais importantes para uma definição de prioridades. A nossa posição geográfica, no extremo ocidental da Europa, eventualmente periférica para determinadas actividades, faz de nós um país procurado por quem se dedica, de forma organizada ou singular, a actividades ligadas à imigração ilegal, falsificação de documentos e por toda uma série de criminalidade conexa aos fluxos migratórios irregulares.
Do espaço atlântico, Portugal é diariamente pressionado a partir da América do Sul, e muito particularmente do Brasil, com rotas aéreas directas ou com ligações a algumas capitais europeias como Madrid, Paris e Amesterdão, que têm como destino Portugal ou a sua utilização em trânsito, por períodos previamente estabelecidos, para se atingirem países como o Reino Unido, os Estados Unidos da América ou Canadá. Da costa ocidental africana deparamo-nos com uma ameaça, por via marítima, que nos deve obrigar proactivamente a pensar numa hipótese de tais riscos chegarem à nossa costa. As movimentações no Golfo da Guiné indicam claramente a possibilidade de estabelecimento de rotas migratórias a partir daquela região; das rotas subsaarianas que por via terrestre chegam a Marrocos e que visam essencialmente território espanhol, podemos ter reflexos no nosso país. Há que ter presente, uma vez mais, que alguns dos países utilizados nestas rotas, devido à debilidade das suas estruturas, são extremamente permeáveis à acção de grupos criminosos ou células terroristas. Mesmo que estes espaços reflictam uma certa preponderância das organizações criminosas nigerianas o panorama é preocupante. Por fim, e relativamente à Europa Central e de Leste, constata-se um fenómeno migratório desregulado e em massa, a partir do qual se implementaram canais imparáveis com proveniência de países tais como a Ucrânia, a Moldávia, a Roménia ou a Rússia, do qual Portugal é testemunho assinalável desde a segunda metade da década de noventa.
A diferença fronteiriça que marca o espaço de segurança afastou-se irreversivelmente para leste. Portugal tem com Espanha um mero apontamento administrativo a marcar a diferenciação de territórios e a realidade obriga-nos a rever conceitos e estratégias de segurança e defesa.
O turbilhão da globalização obriga a um reposicionamento que deve ter em conta os interesses específicos de Portugal, e os seus interesses enquanto membro de um espaço poliárquico. E se é verdade que em muitos casos os interesses coincidem, não é menos verdade que, em muitos outros, vontades particulares se sobrepõe ao interesse colectivo – o caso dos vistos emitidos descontroladamente pela Alemanha, em Kiev, e que atingiram Portugal independentemente da nossa vontade, é disso uma crua constatação. Este é apenas um exemplo demonstrativo de que a ideia do «espaço vital» (Lebensraum) tão cara aos alemães pode não ser exactamente coincidente com a de outros Estados-membros da União Europeia. A visão estratégica em que a referida questão dos vistos foi concebida, foi apenas uma opção tacticista que objectivamente pretendeu retirar a Ucrânia da esfera de influência russa, apelando a uma relação acima de tudo centrada na Alemanha. Os danos colaterais desta opção atingiram outros Estados-Membros com claros efeitos no panorama criminológico. No caso português, verificou-se uma alteração irreversível que vai obrigar a alterar conceitos e metodologias de investigação.
É nesta perspectiva de alargamento de espaços em que se movimentam bolsas de imigrantes, do Leste da Europa ao Oceano Atlântico, e das mais diversas nacionalidades, que temos doravante de perspectivar, trabalhar e conceber a troca de informação entre os nossos parceiros. A forma como se diluíram as fronteiras permeabiliza o espaço em que estamos inseridos. É assim que, a outro título, o conflito checheno dá origem à possibilidade de integração e/ou inflitração de indocumentados – que na generalidade dos casos a própria Federação Russa tem dificuldade em reconhecer – nas fileiras irregulares de imigrantes.
Não sendo a partir de agora possível a reversibilidade desta tendência, podemos e devemos olhar para outros espaços. Com a implementação de especializações em determinadas áreas e, nesta óptica, como país prestador de serviços devemos estudar, por forma a beneficiarmos a União Europeia em que nos inserimos, uma concepção estratégica para a utilização do triângulo atlântico (do Norte de África / Mediterrâneo, passando por Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Brasil) por forma a consolidar-se enquanto local por excelência da dinamização de informações que visem assegurar a segurança interna do país e da área política, geográfica e económica de que Portugal é parte integrante.
Esta mais valia, não só para a União Europeia, mas também para a relação transatlântica com os EUA e o Canadá, poderá ser algo que faça de Portugal um parceiro respeitável e a ter em conta no combate transnacional, tão necessário nos nossos dias, nas mais diferentes áreas do crime.
Para nós portugueses, por se encontrar claramente num espaço das relações internacionais que interage com o nosso país, Cabo-Verde merece uma particular atenção; só o facto de estar na ordem do dia, pelo menos ao nível académico, o debate sobre a sua integração ou não na União Europeia, merece que desde já, do ponto de vista estratégico, façamos o trabalho de casa.
Cabo-Verde é um espaço de tranquilidade e com uma democracia implementada que faz inveja ao continente em que está inserido, razão por si só a ter em conta na capacidade de atracção que já exerce junto de muitos países em seu redor. Quanto às vantagens do seu posicionamento geográfico, o arquipélago de Cabo Verde fala por si. Mais não seja por estes dois factores referidos (consolidação democrática e posicionamento geoestratégico) talvez fosse prudente equacionar de igual modo e seriamente um eventual alargamento da influência da NATO àquele país do Atlântico.
A ter em conta como um óbice à perspectiva de equilíbrio regional face ao espaço em que actualmente se insere aquele arquipélago, é a influência que a Nigéria tem em toda a região: país muçulmano, o mais populoso de África e com um domínio económico na zona, que advém das suas explorações petrolíferas.
Mas a dinâmica nigeriana não se limita às potencialidades económicas referidas, possuindo igualmente uma das mais poderosas estruturas de crime organizado cujas actividades vão muito para além do continente em que se inserem; imigração ilegal, tráfico de seres humanos, tráfico de droga e falsificação de documentos e cartões de crédito, para só citar alguns exemplos, são referências já registadas e a ter em conta junto das polícias europeias e americanas.
Os indícios da sua presença em Cabo-Verde já se fazem notar, utilizando aquele país como placa giratória para muitos dos seus negócios, alguns dos quais passam por Portugal e têm o Brasil como rota de destino.
Portugal
O desafio que Portugal enfrenta nesta matéria prende-se muito com a capacidade de restruturação por parte dos serviços de informações e dos serviços de segurança.
A procura de eficácia e a projecção concertada da actividade investigatória e do acesso à informação, devem nortear os objectivos deste empreendimento. A criação de um Gabinete de Estudos Estratégicos (sob a tutela do Ministro da Administração Interna) que não dependa em exclusivo dos diversos serviços e forças de segurança mas que conte com as suas estruturas e analistas próprios, poderá colmatar, nesta matéria, um hiato que se verifica na contribuição de estudos para a compreensão do fenómeno criminológico e a real situação da segurança interna do país.
A implementação de uma estrutura deste nível, devidamente apoiada pelos melhores sistemas de análise e software informático, com uma ligação directa aos diversos depósitos de informação de índole estratégica criada pelas instituições que trabalham nesta matéria directa, pode ser uma solução que deve ser ponderada.
Os 92.831 km2 do país não justificam, em nosso entender, a existência de tantas divisões e a produção de relatórios, vindos das mais diversas proveniências, muitas vezes difíceis de descodificar por quem tem uma percepção mais próxima da actividade operacional. A Áustria, país de pequenas dimensões como Portugal, pode servir de exemplo para a nossa tão hipotética quanto desejada restruturação, perspectivando-o para o nosso país, naturalmente adaptado à nossa realidade. Este país germanófilo adaptou, com sucesso, uma eficaz estrutura de centralização de análise no Ministério do Interior, com informação proveniente das mais diversas estruturas ligadas à investigação, segurança pública e polícia de imigração.
Sob o ponto de vista estratégico a constatação de tendências migratórias e criminológicas e as alterações que socialmente daí possam advir poderiam servir de orientações a quem tem a responsabilidade de definir políticas; aos serviços e forças de segurança, já devidamente informados do cenário mais abrangente em que se integram e trabalham, deixar-se-iam as informações de carácter táctico e operacional para a sua actuação.
Face ao que já foi dito e devendo esta preocupação ser estrutural à nossa sociedade, entendida e estudada de forma multidisciplinar, dar-se-ão passos importantes quando se perceber que não há lugar para a demagogia nos debates que têm necessariamente que ser feitos sobre esta matéria.


Notas


[1] Não havendo certeza absoluta dos números destas comunidades podem-se adiantar, quanto à sua dispersão pela Europa, os seguintes dados: França 7 milhões; Alemanha 3,45 milhões; Grã-Bertanha 1, 406 milhões; Itália 700 mil; Espanha 350 mil e Portugal 42 mil.
[2] Verifica-se a falsificação ou falsidade intelectual ou ideológica quando o documento não reproduz com verdade aquilo que se destina a comprovar, Código Penal, pág.776, anotações ao artigo 256º, alínea b), falsificação de documento, de Manuel Lopes Maia Gonçalves, 14ª Edição 2001, Editora Almedina.
[3] A falsificação ou falsidade material ocorre quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente, alínea a) do mesmo artigo, idem.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A sul de Luanda






Candengues de Cabo Ledo, o imbondeiro da terra e o Miradouro da Lua.

Antigo Colégio Universal, Luanda 2009





Só para recordar os antigos alunos do Colégio Universal, no Largo da Maianga, em especial os que estavam internados no Pensionato Universal e na Pensão Lisboa (1ª foto), mesmo ao lado do Colégio.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Tráfico de Seres Humanos

Imigração ilegal e tráfico de seres humanos
Repercussões na Segurança Interna



I


Introdução


A reestruturação da nossa segurança interna, no actual panorama das relações internacionais, que com os efeitos da globalização, obrigou a alterar profundamente a forma de combater as novas ameaças, viu a necessidade desta reflexão ser imposta pelos acontecimentos de 11 de Setembro, como culminar de novas concepções de guerra e de perigo.
As ameaças que se caracterizavam, antes daquela data, por um pendor marcadamente ideológico, consequência do que estávamos habituados a constatar numa relação de espaços com soberanias perfeitamente demarcadas, vivem actualmente um período de evolução, transferindo para o campo religioso, sem um suporte ideológico conhecido para a sua construção social, sem território demarcado e sem rosto, a justificação de uma guerra que se procura levar para o confronto civilizacional, e por isso desterritorializado, cujos contornos nos obrigam a reflectir sobre as respostas adequadas a esta nova fase.
O actual quadro geopolítico mundial reflecte esta nova realidade em que o caminho para a unimultipolaridade, que volta novamente a ser trilhado depois da eleição de Barack Obama[1], evidencia de forma notória a emergência de potências regionais, e de outros fenómenos de funcionamento em rede que prescindem da necessidade de domínio de um território.
O resultado desta nova realidade propiciou também outros fenómenos, para além das ameaças terroristas, sendo o desencadear dos fluxos migratórios, principalmente os de carácter irregular, uma realidade a ter em conta na alteração dos quadros sociais dos países de destino, principalmente pela criminalidade a estes associada[2].
A Lei 20/87, de 12.06, Lei de Segurança Interna, caracterizava, no seu artigo 1º, n.º 1, a segurança interna [como] a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática, para no nº1 do seu artigo 4º, quanto à territorialidade, definir que a segurança interna desenvolve-se em todo o espaço sujeito a poderes de jurisdição do Estado Português.
A ideia subjacente a estas definições e conceitos legalmente expressos traduzem um pensamento que existia na geografia política da altura, ainda antes da queda do muro de Berlim: espaços definidos e com fronteiras perfeitamente delimitadas, controladas a partir de uma ideia estática da delimitação de soberanias.
Não houve, em razão disso, previsão da porosidade das fronteiras e das consequências que, entre outros factores, as novas tecnologias da informação iriam trazer ao mundo, através das quais espaços completamente fechados e inacessíveis ao mundo livre puderam ter a percepção do que acontecia no mundo ocidental, criando expectativas de consumo suficientemente fortes para os mobilizar para uma demanda na busca de um novo mundo, onde era possível o acesso a bens não disponíveis em regimes de ditadura e pobreza que viviam.
Verifica-se uma eclosão de multiculturalidade, proporcionada não só pela queda do muro de Berlim, mas também com a vinda para a Europa de pessoas originárias de regiões colonizadas, abrindo-se o leque a africanos, árabes, asiáticos, sul-americanos, para além de russos, ucranianos, moldavos e romenos.
Naturalmente que perante este cenário cada país tem a sua especificidade e afinidades culturais e históricas que não podem ser menosprezadas, estabelecendo-se fluxos migratórios que reflectem ligações da História recente de alguns países; com o mundo em mudança, as relações formais, base do relacionamento internacional clássico, têm de repartir este palco com as novas realidades.
A nova era das relações internacionais passa a incluir, a partir de 1989, com os desmoronamento da URSS, uma rede informal de extrema flexibilidade, em contraponto ao peso dos Estados e das suas estruturas burocráticas, passando a coabitar com o clássico sistema de relações internacionais; constata-se, em razão disso, uma incerteza do Direito Internacional: os Estados passam a ter que dirimir com organizações colectivas de natureza incerta; e a balança de poderes, conservada desde 1945 e desenvolvida com a guerra fria, deixou de existir, diluindo-se a importância do poder unitário do Estado, aumentando, por outro lado a categoria dos Estados exíguos e sem presença efectiva nos vários centros de decisão[3].
Face ao cenário atrás descrito a revogação da lei atrás mencionada tornava-se necessária, vindo a acontecer em 29 de Agosto de 2008, com a entrada em vigor da Lei 53/2008.
Ainda que o preceituado no n.º 1 da Lei 20/87 se mantenha, e faz sentido que assim seja, as alterações dignas de registo verificam-se não só nas medidas práticas de coordenação entre as diversas forças e serviços de segurança (art.º 6º, 15º e 16º), sob a responsabilidade do Secretário-Geral de Segurança Interna, que tem legalmente prevista, em situações excepcionais, competências de comando operacionais (art.º 19º); mas também na interligação, que se torna imperativa, entre os Serviços de Informação da República Portuguesa, atenta a sua superior coordenação dos Serviços de Informações e Segurança (SIS)[4] e os Serviços de Informações Estratégicas e de Defesa (SIED)[5], cuja representação está também assegurada na composição do Conselho Superior de Segurança Interna (art.º 12º, al. e) e h).
Esta nova visão que integra os serviços de “intelligence”, tanto os vocacionados para operar internamente (SIS), como os que operam a partir do exterior (SIED), tendo em conta a defesa dos interesses nacionais, verifica-se devido à constatação, há muito percebida, que a segurança interna e externa cada vez mais se confundem, e a razão é tão simplesmente esta: ameaças preparadas a milhares de quilómetros de distância, situados geograficamente em locais de importância reduzida para Portugal, podem ter reflexos em território nacional, razão pela qual constatamos, em muitos pensadores, a polémica sobre o papel das forças armadas – matéria que aqui não se abordará – nas actuais circunstâncias no interior do território nacional, em caso de crises e catástrofes.



II


A emergência das “redes” nas Relações Internacionais


Deste novo cenário emerge o que se convencionou chamar de “redes” e que se traduzem num efeito directo nas relações que ultrapassam os próprios Estados, sendo um exemplo muito actual as caracterizadas no apoio ao terrorismo ou à imigração ilegal e tráfico de seres humanos.
A questão é tanto mais complexa que se podem implementar contactos, ligações, teias de interesses entre Estados e “redes”, e entre “redes” e “redes”.
Cruzam-se os mais diversos interesses e tendo em conta a forma clássica como se desenvolviam as relações internacionais instala-se o caos em substituição do vazio provocado pela “aceleração da História”[6].
Contrariando o excessivo peso do Estado, à sombra do qual todos os movimentos eram detectados e controlados, o vazio político e o advento das novas tecnologias permitiram que os novos espaços se tornassem apetecíveis aos novos interventores, com destaque natural para as redes de imigração ilegal.
Se tivermos como ponto de partida a situação de desmoronamento dos Estados do Leste da Europa, países cuja oposição ao regime totalitário comunista no apoio às populações, no acesso a alguns bens de consumo básico, se fazia sentir a partir de estruturas do crime organizado, ainda que quase submerso por um Estado massificador que tentava uniformizar tudo e todos retirando toda e qualquer tentativa de iniciativa e liberdade individual, cedo chegamos à conclusão que um nicho de mercado se abria.
O desmoronar das estruturas dos estados comunistas permitiu a sua substituição pelo crime organizado – organizações ascendentes que para além do tráfico de armas e droga perceberam que poderiam gerir a vontade irreprimível das pessoas, sujeitas a uma cultura de pobreza e mediocridade nos últimos cinquenta anos, em atingir o “el dorado” da Europa Ocidental, Estados Unidos da América ou Canadá. Em suma a gestão da imigração ilegal e tráfico de pessoas, tendo em vista lucros exorbitantes.
Inadaptadas, as estruturas clássicas, não conseguem reagir preventivamente; o peso da máquina burocrática junto dos serviços consulares dos Estados não dá resposta em tempo útil às ansiedades dos novos migrantes e a Europa passa de fonte de emigração a alvo dos fluxos migratórios; entre os candidatos a emigrar e os serviços formais dos serviços diplomáticos e consulares, verifica-se uma intermediação (as redes) que está actualmente a decidir a regulação dos fluxos migratórios.
Os métodos formais e legais são marginalizados e não mostram capacidade de resposta, emergindo um negócio que irá determinar a condição humana para o novo milénio – uma nova forma de escravatura.
Havendo vontade de emigrar, os candidatos colocam-se (perigosamente) em posição de subalternidade da qual saem em condições extremamente penosas, sendo as rotas e a vontade de migrar sujeitas à imposição das redes de imigração clandestinas, tornando-se perfeitamente vulgar um imigrante sair do seu país de origem sem saber o destino que lhe estará traçado, nomeadamente nos casos das mulheres vítimas de exploração sexual.



III


Portugal – Da emigração à imigração


Depois de 1974, com a decisão militar de pôr um ponto final na guerra de catorze anos sem todavia formular e adoptar um conceito estratégico de descolonização, as fronteiras geográficas de Portugal sofreram uma reformulação radical, voltando aos noventa e dois mil quilómetros quadrados europeus, compreendendo os arquipélagos atlânticos, e com apenas um vizinho geográfico reconhecido como tal, que é a Espanha.[7]




Prof. Adriano Moreira
A data a que alude o Sr. Professor Adriano Moreira é um momento estrutural e decisivo no posicionamento de Portugal no mundo, pelo menos quanto à ideia de Portugal, na relação diferente que o nosso país sempre advogou para com o espaço que se chamou de além-mar e que se estendeu do Atlântico ao Índico chegando a Timor.
Estruturalmente Portugal, ainda que um pequeno país e de escassos recursos, concebeu e adaptou-se a um mundo com fronteiras do Minho a Timor, passando pelo Rovuma e Cunene. Foi o tempo de espaços fixos em que a ideia de movimento se confinava ao Estado, em sentido lato, com um controlo massificador do movimento das pessoas, situação de vantagem decorrente da escassa fluidez de informação, própria dos Estados limitadores dos direitos individuais e também daquilo que era, à época, o escasso desenvolvimento associado às tecnologias de informação.
Foi o tempo de outra ideia de Portugal, foi o Portugal de aquém e de além-mar, que via na extensão do seu império uma ideia de combater um isolamento político a que estava vetado internacionalmente e que obrigou muitos dos seus cidadãos a demandar outras paragens. Este cenário que na época contemporânea, com a independência do Brasil, tem raízes na segunda metade do século XIX foi percebido, àquela data, por Alexandre Herculano e pelo relator de um inquérito parlamentar de 1873, Barros e Cunha, ao centrarem nas motivações económicas a decisão do acto migratório, invocando o primeiro “a insuficiência dos salários entre nós” e o segundo de que pretendiam “… levados pela ambição de voltar ricos à pátria”.
Regressando ao tema da ideia de Portugal, já mais elaborada e desenvolvida pelo Estado Novo ao nível do discurso político, a partir da Constituição de 1933, com origem no processo político iniciado pela ditadura militar de 28 de Maio de 1926, e que culmina com o 25 de Abril de 1974, verifica-se que emigram de Portugal mais de dois milhões de pessoas das quais cerca de 30% saiu, como então se dizia, a salto[8].
Tal ideia (a nossa ligação a África) não era coincidente com os destinos da emigração portuguesa e até mesmo com as grandes decisões estruturais do país no seu relacionamento externo, nomeadamente ao nível económico, que contrariavam o discurso político.
A título de exemplo verificamos que o destino de 1.500.000 de emigrantes, entre 1960 e 1974, teve como objectivo a França e a Alemanha, contabilizando um total de 40% da nossa população activa, que eram os dois maiores países da então C.E.E., não visando destinos como países da EFTA ou África.
Torna-se evidente que a Europa do Tratado de Roma se assume como a grande influência externa desde 1960, embora fosse África o centro do discurso. Também ao nível económico, por exemplo, em 1960, nas relações com a C.E.E. (sem a Inglaterra) Portugal importava 39% e exportava 29%, com a EFTA importava 20% e exportava os mesmos 20% e com a África portuguesa as relações comerciais traduziam-se em 14% de importações e em 25 % de exportações. A partir de 1973, já com a Inglaterra na C.E.E., a relação comercial reflectia 39% de importações contra 21% de exportações situação que espelhava mais do triplo da África portuguesa, 10% de importações contra 15% de exportações, servindo esta ideia para concluir que dois terços dos principais fluxos financeiros positivos e essenciais para manter a economia portuguesa, como sejam créditos externos, investimentos, remessas de imigrantes e receitas de turismo (com cerca de quatro milhões de turistas anos) vinham das Comunidades Europeias.[9]
Em resumo, fica essencialmente a ideia de que a procura de uma vida melhor no exterior tem como elementos propulsores de tal decisão a debilidade de uma economia ainda pouco industrializada, fortemente ligada à agricultura e que acaba por ter um excedente de mão-de-obra, caracterizada por baixíssimos salários, e que obriga a uma integração da mão-de-obra portuguesa no mercado internacional de trabalho, fruto claramente de apertados horizontes de trabalho, como dizia Orlando Ribeiro, sendo os espaços procurados, por excelência, as Américas e o continente europeu.
A somar a este défice estrutural da nossa economia, que se arrasta claramente até à primeira metade do século XX, associa-se na década de sessenta um aumento da repressão política do regime e o início da guerra colonial, o que faz com que a associação da emigração legal e clandestina tenha uma variação entre quarenta mil emigrantes legais e cento e quarenta mil emigrantes ilegais em plenos anos setenta[10].
Constata-se aqui uma clara divergência entre o discurso político e a realidade que o país abraçou, ou, se quisermos ser mais directos, entre o sonho atlântico, com extensão a oriente, e a realidade europeia com que nos confrontávamos e que atrás mencionamos. Foi a vertente do sonho que marcou, ainda assim, os primeiros passos, no período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, com o imaginário das populações das ex-colónias claramente marcadas pelo discurso político. Marcou sem qualquer dúvida os portugueses que retornaram, marcou o imaginário da mestiçagem que se deixou assimilar pela cultura portuguesa e finalmente marcou a população autóctone, ainda que sem ligações materiais a Portugal, mas que claramente se deixou influenciar por uma ideia de cultura portuguesa, da qual a língua é a derradeira expressão.
O momento do retorno iniciado a 25 de Abril de 1974 e que circunscreve Portugal às fronteiras a que se refere o Professor Adriano Moreira, apenas com um vizinho geográfico – a Espanha –, acciona a inversão do sentido do fluxo migratório em relação às ex-colónias. Criaram-se condições para uma segunda vaga de democratizações na Europa, depois da Segunda Guerra Mundial, e que se inicia precisamente por Portugal, segundo Samuel Huntinghton.



IV


Portugal – A adesão à Comunidade Económica Europeia

Quando Portugal aderiu à Comunidade Europeia, no dia 1 de Janeiro de 1986, a Europa era muito diferente do que é hoje. [...]
E a Comunidade, um clube restrito de gente rica que apenas muito recentemente aceitara abrir as portas a alguns primos afastados do Sul.
[11]



Teresa de Sousa


Num primeiro momento, a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia – actual União Europeia –, teve consequentes repercussões, entre outros, ao nível do desenvolvimento económico e social, o que levou, em especial a partir do final da década de oitenta, a que o país fosse visto com outros olhos, pelas comunidades migrantes, face á sua nova capacidade de atracção.
A partir deste momento o crescimento tem sido imparável: de 50.750 em 1980, os estrangeiros residentes legais em território nacional passaram a 436.736 em 2007[12], não existindo grandes alterações para os dias de hoje.








Fig. 1 – Fonte SEF


Regressando aos fluxos migratórios utilizadores dos corredores atlânticos, que antes de 25 de Abril de 1974 tinham expressão, já de algum modo assinalável, na comunidade africana oriunda de Cabo-Verde, Portugal coincide, no discurso e na prática no seu regresso à matriz europeia e cuja consequência foi um controlo migratório bastante restrito que tem como sentido único a viagem a partir das suas ex-colónias em direcção a território nacional. A direcção e a estratégia de controlo passam pelo apetrechamento da sua principal fronteira aérea, sentindo-se que um eventual desequilíbrio se poderia registar pela manifestação das novas tendências a partir de África.
As fronteiras aéreas, mais do que as terrestres e as marítimas, passam a ser a preocupação do país tendo em vista a contenção de fluxos migratórios, face à velocidade de comunicação possibilitada pelos transportes aéreos.
A entrada no chamado clube dos ricos, ainda que no início não colida nem obrigue a uma soberania partilhada quanto às fronteiras (Schengen viria mais tarde), acentua Portugal como uma das referências no espaço europeu para as ex-colónias e a partir de dado momento, o aeroporto de Lisboa, nos dias de voos entre Lisboa e as capitais dos PALOP/CPLP, passa a ser uma autêntica fronteira geográfica com aqueles países, tal o caldeirão de culturas ali representado, seja para mandar notícias ou enviar e receber encomendas.
Para além da tendência já iniciada da imigração cabo-verdiana, houve matrizes sociológicas e mesmo étnicas, radicadas nas ex-colónias, que marcaram os fluxos migratórios com destino a Portugal (v.g. as comunidades indostânica e chinesa residentes em Moçambique).

Nesta fase, face a uma diferença entre a realidade social e os dados atrás descritos, desenvolvem-se franjas de marginalização que vão absorver estes imigrantes e que basicamente são a falta de documentação (elemento fundamental para a concessão de um estatuto jurídico sólido) e a participação informal na sociedade portuguesa, com particular destaque para o mercado de trabalho ilegal e falta de condições de habitabilidade, lançando-se as premissas para alguma perturbação que permite, já nos anos noventa, uma acesa discussão política à volta do tema.
Identificam-se assim duas marcas: falta de documentação e trabalho ilegal que vão marcar, de forma acentuada, o desenvolvimento de actividades marginais conexas à imigração ilegal a partir dos anos oitenta – à data não criminalizadas.





Principais rotas – início da década de 80
Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique.







Fig. 2



Este momento, que podemos enquadrar temporalmente como os fins da década de setenta e o início da década de oitenta, assenta ainda num controlo tradicional de fronteiras e revela mais uma preocupação com as fronteiras externas aéreas e com o espaço atlântico, não se verificando especial preocupação com as fronteiras terrestres, partindo-se do princípio que a nossa ligação geográfica a Espanha serviria, por si só, como elemento de defesa face a eventuais desequilíbrios nesta matéria.
A nossa preparação estrutural, mesmo após a entrada na C.E.E., visava um controlo tradicional das nossas fronteiras, a partir da ideia de Estado soberano, com delimitação clara do seu espaço territorial, não pensando numa ideia de soberania partilhada com que nos viemos a confrontar anos depois.
Por esta altura, ao nível migratório, começava a desenvolver-se uma pressão de que só daríamos conta mais tarde, a partir do momento em que a sociedade civil e as organizações não governamentais trouxeram o tema para debate. A realidade oficial dos números no início da década de oitenta apenas tem uma aproximação real com a comunidade de Cabo-Verde e não traduz a realidade, estando a projecção da imigração ilegal muito além dos números de então e perante a qual não se tomavam medidas.






V





As novas fronteiras de Portugal

O segundo momento coincidiu com a entrada em vigor do Acordo de Schengen e respectiva Convenção de Aplicação, em Março de 1995, com a consequente abolição dos controlos nas fronteiras internas dos estados signatários, dos quais Portugal faz parte, a que correspondeu o regime de livre circulação de pessoas actualmente em vigor. Esta nova realidade faz dos Estados signatários autênticos pólos de atracção impelindo potenciais imigrantes, uma vez dentro do chamado espaço Schengen, a tentarem a sua sorte num destes Estados, “beneficiando” assim, de alguma forma, do referido regime de livre circulação de pessoas.
Estas e outras razões que poderiam também aqui ser enumeradas, contribuíram decisivamente para que Portugal deixasse de ser o país de emigração de outros tempos e se tornasse cada vez mais atractivo para os nacionais de outros países, convertendo-se num potencial país de destino de imigrantes, naturalmente à sua medida, e às quais não se podem dissociar os efeitos visíveis do desenvolvimento, da modernização e abertura política.
Esta influência vem, anos depois, a marcar um segundo tipo de migração, que passa a utilizar corredores continentais e que desenvolve rotas a partir do continente asiático e de alguns países do leste europeu, por via terrestre numa primeira fase, com destino ao espaço Schengen e ao nosso país em concreto.









Fig. 3




VI

O fim do controlo tradicional de fronteiras

"Nessa relação com a circunstância avultam as definições ou redefinições a fazer quanto às estruturas das fronteiras emergentes, concretamente em relação à Espanha das nacionalidades, ao Norte de África que já é uma fronteira geográfica, ao Atlântico em que se articula o modelo de segurança do Norte, em mudança, com o modelo de segurança do Sul em perspectiva, com o espaço transversal da lusofonia, e finalmente com o globalismo envolvente. [...]
Tal revisão, no quadro de interdependência mundial crescente em que nos encontramos, aponta no sentido do conceito renascentista de soberania, que vigorou séculos, se reorganize para tornar vigente uma reformulação que corresponda a uma soberania cooperativa, ou comparticipada, ou de serviço, que coloca em primeiro plano a solidariedade nos grandes espaços que, como a NATO e a União Europeia, procuram suprir as insuficiências crescentes do unilateralismo clássico".
[13]


Prof. Adriano Moreira

Com a evolução do Acordo de Schengen veio a abolição do controlo das fronteiras terrestres intra Estados-Membros que ocorre num momento em que já havia desmoronado o muro de Berlim e se dissolvia o império soviético.
É-nos permitido a partir deste momento definir o tipo daqueles que se estruturam como os principais fluxos migratórios para Portugal, em ruptura com um passado recente, atendendo sobretudo ao perfil dos imigrantes neles inseridos, bem como ao seu volume ou importância no panorama global da imigração para o nosso país e ao facto de se tratarem de fluxos que, muitas vezes, estão potencialmente relacionados com casos de imigração ilegal, seja esta espontânea ou organizada, assim como com a criminalidade associada.
Esses fluxos migratórios são os das seguintes origens: América do Sul [com claro destaque para o Brasil]; países do leste europeu [essencialmente oriundos da Ucrânia, Roménia, Moldávia e Rússia]; países africanos de língua oficial portuguesa [PALOP/África]; península indostânica (constituída pela Índia, Paquistão e Bangladesh); e extremo oriente com particular destaque para a China.
Este novo escalonamento, por ordem de importância, dos fluxos migratórios, tendo em conta apenas a perspectiva das consequências na segurança interna do país, deve-se à ruptura originada pela adesão ao Acordo de Schengen o que, entre outras coisas, faz com que ao nível de uma fronteira de segurança, com características administrativas, sociais e de polícia[14], tenhamos partilhado a soberania, relativamente ao controlo fronteiriço, com os demais países aderentes ao acordo. Este pormenor faz com que o acesso a Portugal a partir do leste europeu esteja dependente, por exemplo, do controlo fronteiriço feito nas fronteiras europeias da União (ver fig.3), tornando irrelevante, neste domínio, a nossa ligação geográfica a Espanha.
A irrelevância da nossa fronteira com a Espanha advém do facto de os imperativos legais em que se enquadram os imigrantes (detentores de visto válido ou isentos do mesmo), após o cruzamento das fronteiras externas, impedirem que a sua livre circulação no interior do espaço não possa ser questionada antes de se provar que a sua permanência vai para além do período previamente autorizado.
Este pormenor, que não é de somenos importância, é de sobremaneira explorado pelas redes de tráfico de imigrantes que conhecedores dos obstáculos legais que rodeiam a actuação das autoridades dos Estados-Membros tem como consequência a alteração da matriz social dos imigrantes em Portugal, fazendo de cidades como Moscovo ou Kiev[15] importantes portas de acesso à Europa comunitária, permitindo que países de origem migratória situados no extremo oriente, península indostânica, ex-repúblicas soviéticas, cheguem ao nosso país, como a outros Estados-Membros, sob controlo de organizações criminosas.


VII


O controlo dos fluxos migratórios


Tendo em conta o anteriormente exposto, factores estranhos à vontade de cada um passaram a controlar os fluxos migratórios artificializando-os, impondo rotas, destinos e mercados de trabalhos. O crime organizado passou a controlar, em muitos casos, a vontade do ser humano em procurar uma vida melhor para si e para os seus.
Este óbice à liberdade e dignidade do ser humano é levantado por organizações criminosas e que dificulta muito a própria vontade das instituições em dar visibilidade e existência aos anseios dos próprios imigrantes.
Várias coisas jogam a favor dessas organizações: em primeiro lugar porque o acesso à possibilidade de imigrar tem de ser comprado, situação que implica à priori um posicionamento de subalternidade e dependência social e económica; em segundo lugar – e aqui entrando directamente na experiência em que se tem traduzido a investigação criminal nesta matéria – porque a partir do momento atrás mencionado, se estabelece um código de temor reverencial que impõe um silêncio absoluto, que a ser quebrado [permitindo resultados positivos numa investigação policial], poderá ter como consequência a eliminação física do imigrante vítima, ou de alguém da sua família; em terceiro lugar porque as estruturas dessas organizações, implantadas no terreno desde o momento da partida, passando pelo trânsito das rotas impostas e à entrega dos imigrantes às células de recepção no terreno, se encontram já de tal forma posicionadas que lhes é possível proceder a um controlo das pessoas sob a sua dependência.
Estruturalmente o que concorreu para que tal fenómeno se verificasse está directamente ligado à transformação das fronteiras portuguesas e a sua integração no grande espaço regional que é a União Europeia, situação que culmina um processo, entre 1945 e 1974, de alteração por três vezes das fronteiras geográficas e políticas[16] e que na sua terceira fase se orienta pelo “… princípio do multilateralismo na ordem mundial, (…) (onde uma) maior complexidade veio caracterizar as novas fronteiras portuguesas, condicionadas pelas decisões tomadas por uma sede de poder diferente da que decorria do tradicional conceito de Estado soberano, por uma progressiva dissociação da fronteira geográfica, a todos os níveis político, económico, de segurança e defesa, e cultural, face à configuração dos novos espaços, e pelo movimento crescente das migrações das populações estrangeiras, desenraizadas dos seus países de origem das suas culturas e das suas crenças e expectativas. Antigamente país de emigração, com uma fronteira demográfica disseminada pelos quatro cantos do mundo, Portugal é hoje um país de imigração, no seio do qual se desenham novas fronteiras de exclusão […] económica e social[17]. (…)
Muitas das competências soberanas dos Estados foram legadas a novos poderes supra nacionais, arrastando neste acto uma alteração profunda, não só das próprias estruturas políticas, sociais e económicas, das mentalidades e dos comportamentos mas, também, das próprias fronteiras, dos seus traçados, conteúdos e função.”[18]
É perante esta transformação que os Estados destinatários sentem uma forte concorrência na gestão directa dos fluxos migratórios, resultado de uma grande morosidade e dificuldade de acesso dos migrantes a este universo, mas também pelo elevado número de dificuldades levantadas pela burocracia que a imigração legal encerra, tornando o processo de tal forma lento, que a solução para se atingir o el dorado são geralmente as organizações criminosas, tal a facilidade com que prometem a sua concretização.
O perigo desta realidade faz com os fluxos migratórios e as rotas subjacentes permitam a colagem de diversos tipos de criminalidade, destacando-se desde logo à partida as diversas formas de controlo e coacção dos imigrantes em toda a sua extensão e a introdução de novas formas de criminalidade nos países de destino, situação que, caso não seja preventivamente acautelada, poderá originar um desequilíbrio social e a repulsa pelos recém-chegados.


VIII


A queda do muro de Berlim



Há meio século dividida em duas, a Europa viveu uma convulsão que teve como consequência natural o caos que as convulsões têm. O fim do equilíbrio provocou uma inevitável alteração dos pesos, com um claro pendor para o lado Ocidental face à aceleração da História.
Com o fim da guerra-fria, as razões pelas quais a região (Europa de Leste) manteve a sua importância mudaram radicalmente. Depois da queda do muro de Berlim, a política europeia tomou um novo rumo. A Europa de Leste abriu-se ao Ocidente e deixou de ser a linha de fronteira com uma super potência autoritária. Em vez disso, achou-se no papel de região tampão entre a União Europeia e a Rússia[19].
É esta fase, com a evolução natural para os acontecimentos dos nossos dias, que irá marcar de forma estrutural a emigração a partir dos países da Europa de Leste para a União Europeia, bem como de países subdesenvolvidos, através não só da Rússia, mas também da Ucrânia.
O fim do equilíbrio do terror e da ex-URSS, com a independência de muitas das suas repúblicas, o retorno da Rússia aos seus espaços naturais, provocou uma desagregação do controlo destes territórios, tornando excessivamente porosas e difíceis de controlar as novas fronteiras emergentes.
Do variadíssimo leque de crimes difusos e difíceis de combater, surge o crime organizado ligado ao tráfico de imigrantes como elemento desregulador das nossas sociedades. Esta vertente do crime organizado será, a partir deste início de século, tendo em conta os fortes indicadores fornecidos no final do século XX, o crime do século XXI a concorrer largamente com o tráfico de droga e tráfico de armas para só citar dois exemplos.


IX

A ascensão do crime organizado

Com esta desagregação (a abertura de espaços da ex-URSS), acelerou-se o aproveitamento do crime organizado pela exploração da imigração ilegal cujas razões a seguir explanaremos.
Desde logo, como primeira razão, surge este tipo de organização em rede, como estrutura lógica de acesso a uma pretensão (de hordas de emigrantes) que os estados depauperados e decadentes que gravitavam em redor de Moscovo não propiciavam.
As associações criminosas, mesmo no período que antecedeu a queda da URSS, eram a possibilidade única de acesso a determinados bens fora do alcance do comum dos mortais, daí o respeito que conseguiram junto das populações, estendendo-o em muitos casos aos nossos dias. A maneira como actualmente rivalizam com o Estado, deve-se à forma como se estruturam e que em síntese se pode descrever como uma “organização económica e financeira, de tipo capitalista, estruturada segundo os mesmos parâmetros de maximalização do lucro, de controlo vertical e de produtividade, como qualquer empresa multinacional (…).
Simultaneamente, o cartel é uma organização militar.
A violência está na base de toda a organização criminosa. Uma violência por vezes extrema, inteiramente submetida à vontade de acumulação monetária, de dominação territorial e de conquista de mercados.[20][21]

Outro factor importante foi o vazio deixado pelo controlo de fronteiras e a inadaptação, face aos actuais fluxos migratórios, dos países de leste, nomeadamente a Rússia e a Ucrânia, situação que veio permitir que entre o território da Federação Russa, das repúblicas tornadas independentes (Kazaquistão, Uzbequistão, Arménia, Turquemenistão) que medeiam espaços com a China, Paquistão, Índia, Afeganistão e Irão se tornassem espaços difíceis de controlar numa primeira etapa do acesso à União Europeia, tornando-se tal característica, nas suas dificuldades de controlo, idêntica às condições em que se encontram os países que estão entre a Rússia e a União Europeia, a que juntamos naturalmente dada a sua natural gravitação ao redor de Moscovo, a Ucrânia, a Moldávia e a Bielo-Rússia.
Na prática tudo isto permitiu uma zona de circulação informal, à margem da lei, mesmo para nacionalidades estranhas ao espaço a que nos referimos, nomeadamente os cidadãos chineses, que não necessitam de visto para entrar na Rússia, a que se juntam indostânicos e cidadãos que abraçaram os islamismo radical.
Uma das grandes dificuldades foi precisamente a inexistência de fronteiras entre muitos países que integravam a ex-URSS, para citar só um exemplo entre a Rússia e a Ucrânia não está feita a demarcação fronteiriça na região de Kharkov e a sua fiscalização é escassa[22].
Perante esta situação, facilmente perceberemos a capacidade de estruturas de cartéis, como a atrás descrita, para rentabilizar um negócio que se baseia na vontade de mobilidade das pessoas, impulsionada pelas tecnologias de informação, que desta forma vêem a hipótese de diminuir o fosso norte-sul. Em muitos casos é uma questão de sobrevivência.


X


A imigração do leste da Europa em Portugal

A imigração oriunda destes espaços iniciou-se numa vaga de imigrantes romenos, ainda nos anos oitenta, que visava, acima de tudo, a utilização do espaço português como placa de trânsito – que se veio a revelar infrutífera – cujo destino final seriam os EUA e o Canadá. Todos nos recordamos das notícias trazidas a público sobre a detecção de cidadãos romenos, no porto de Lisboa ou do Porto, no interior de contentores com destino àqueles países.
Esta vaga de cidadãos romenos era de alguma forma empurrada para Portugal por decisões de países como a Alemanha, Bélgica, Holanda ou a França, que impediam a sua legalização através da utilização abusiva de solicitações de asilo político.
Como o regresso às origens era impensável, a solução era seguir até onde fosse territorialmente possível e, neste caso, a geografia trouxe-os até Portugal, vagueando em autênticas bolsas migratórias.
Como evolução natural, dadas as relações históricas com a Roménia, apareceram os fluxos migratórios oriundos da Moldávia.
A partir deste momento dá-se uma autêntica revolução no panorama das comunidades migrantes em Portugal, os fluxos migratórios oriundos de países de leste como a Moldávia, Roménia (com imigrantes cujas características deixam de ser apenas de etnia cigana), Ucrânia e Rússia, no seu conjunto, passam a liderar as comunidades estrangeiras em Portugal.
Foi possível fazer, num curto espaço de tempo, o que fluxos migratórios tradicionais a partir de África não o fizeram, tornando-se a comunidade do leste europeu (à data) a primeira entre a população migrante, situação que provocou, nas circunstâncias que todos conhecemos, a abertura legislativa para a legalização extraordinária, com a emissão de autorizações de permanência (AP), através do artigo 55º do decreto-lei 4/2001.
As orientações destas estruturas criminosas no controlo dos imigrantes, que garantia desde a origem e o trânsito pelos diversos países da UE o controlo das pessoas através de meios de transporte por si dominados, visava, uma vez chegados a Portugal o seguinte: (i) o trabalho clandestino no sistema económico legal que vai da restauração à construção civil, passando por empresas de serviços de regulares agentes económicos, sendo o imigrante permanentemente confrontado com a incerteza da sua situação, o medo do despedimento, a precariedade do alojamento e a impossibilidade de mobilidade social; (ii) num segundo momento a colocação em empresas, estando a maior parte destas ligadas a subempreitadas da construção civil, conseguindo desta forma, através do crime de extorsão, em períodos próximos do final do mês, os necessários financiamentos regulares para as organizações.
Perante este cenário, na prática, o que temos é o financiamento de estruturas criminosas sedeadas no leste europeu através do nosso sistema económico legal.
No ano de 1997, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) calcula em mais de sete biliões de dólares a receita líquida obtida pelos senhores do crime organizado com o tráfico de seres humanos[23].
É aqui, tendo em conta as estruturas do crime organizado já mencionadas, que o equivalente à componente militar entra em acção, deixando por diversas vezes a sua marca. Esta componente não é obviamente uma componente militar tradicional mas uma adaptação de muitos elementos que serviram em forças militares e serviços de segurança, que recorrendo à sua enorme experiência não enjeitam, sempre que se afigure necessário, a eliminação física do imigrante caso não seja possível, por meios pacíficos, obter o pagamento a que entendem ter direito[24].


Neste contexto destacam-se organizações a partir de Kichinev na Moldávia, principalmente a vertente eslava com grande influência na Transnistria e fortes ligações à Rússia; Bucareste, Satu Mare e Suceava na Roménia; Kiev e Ternopil na Ucrânia e, obviamente, Moscovo, que forçam para seu controlo parcelas do território português onde instalam os imigrantes, assistindo-se a uma pretensão de não violação de espaços previamente demarcados de forma a evitar-se a confrontação inter grupos.
Não se fique contudo com a ideia de que os métodos utilizados são extremamente avançados, em parte, como também o disse Ziegler, essa ideia é errada. Em muitas das situações do quotidiano, os operadores são intermediários arcaicos, caóticos e violentos. Há redes de passadores a operar em subempreitada. Embora consigam obter regularmente quantias consideráveis, não deixam de fracassar frequentemente na sua tarefa de encaminhar os trabalhadores clandestinos para mercados lucrativos.
No caso específico do auxílio à imigração ilegal, a organização é potencializada em grande parte a partir de uma estrutura orgânica bem delimitada e com o seguinte encadeamento:

No seu topo, o núcleo de liderança com a responsabilidade de definir os programas e as orientações estratégicas, a coordenação das restantes células operacionais (as chefias estão normalmente sedeadas em Kiev e Moscovo). Têm sob a sua responsabilidade a criação de agências de captação dos candidatos a imigrantes;
No nível imediatamente a seguir, os núcleos administrativo e de informações, integrando elementos que anotam e contabilizam as remessas monetárias provenientes de zonas sob a sua dominação, elementos que têm a seu cargo a recolha de dados de natureza pessoal, de laços familiares, e mesmo de património, dos imigrantes;
Na base estarão os núcleos operacionais, que integram células de 5 a 10 elementos, incumbidos de missões específicas. Destacam-se aqui os executantes e os seguranças, armados e treinados para a intimidação e a execução de actos especialmente violentos sobre os imigrantes, a segurança das chefias locais e acções de contra vigilância.

XI

A prestação de serviços na falsificação de documentos

A produção de documentos de viagem, essencialmente passaportes e bilhetes de identidade, com características de produção industrial assente na instalação de uma tipografia e na ideia clássica de dois ou três falsificadores de prestígio, faz parte da arqueologia da falsificação de documentos.
Esta ideia leva a uma alteração qualitativa quanto à forma de falsificação: deixa de existir uma base estática quanto à sua produção e a falsificação passa a ser feita por componentes que, ainda que espalhadas por diferentes países da UE, concorrem para a elaboração de um produto final, recorrendo às novas tecnologias.
Circulam deste modo partes dos documentos a falsificar, sendo já uma constatação que o papel para suporte de falsificação de bilhetes de identidade começa a ser importado, deixando de ser exclusivamente produzido em Portugal, fazendo emergir um número interminável de actores, nas mais diversas localizações geográficas, que torna extremamente difícil a eliminação de redes com interesses estruturais ou meramente conjunturais nesta matéria.
O reflexo desta dificuldade é a convergência de interesses de diferentes comunidades migrantes na falsificação de documentos, e se podemos dizer que cidadãos angolanos e guineenses dominavam este mercado, não deixa de ser relevante a posição de cidadãos indostânicos pela qualidade de prestação de serviços em matéria de falsificação.

XII

O modus operandi de fluxos migratórios


A imigração para Portugal regista nuances dignas de registo.
À tentativa frustrada de entrada em território nacional pelo Aeroporto de Lisboa ou do Porto, verificou-se a procura de alternativas no espaço europeu, incidindo estas em aeroportos como Madrid, Paris e Roma, só para citar três exemplos.
É por estas novas opções de rotas que determinados fluxos migratórios ilegais procuram chegar a Portugal. Em face desta intensidade migratória a comunidade brasileira passa a ser actualmente a maior comunidade estrangeira em Portugal, juntando-se a este pormenor um expectável abrandamento na evolução migratória do leste europeu como consequência do recente alargamento da UE, que a partir de 2007 se estendeu à Roménia e Bulgária, e da recessão económica que vivemos actualmente em Portugal (baixos salários e desemprego).
Verificamos, em certas origens e nacionalidades, uma mudança nas qualificações profissionais, que passam a integrar a restauração, indústria hoteleira e construção civil, a que se associa com particular incidência o tráfico de mulheres, que tem uma característica própria no que se pretende definir, num crime mais abrangente, como o tráfico de seres humanos[25].
O facto de não se verificar um abrandamento neste fluxo migratório deve-se essencialmente a dois pormenores, a saber: a inflação elevada associada ao desemprego, a insegurança dos grandes centros urbanos no Brasil e elevados índices de pobreza, que afectam com especial incidências as mulheres, nomeadamente as oriundas do nordeste e interior do país.
Mas outro factor deve ser tido em conta: dentro do espaço da CPLP, que registou um retrocesso quanto à dimensão dos seus cidadãos em Portugal, essencialmente pela capacidade de introdução de cidadãos do leste europeu, o único país com força política que pode exercer pressão para a legalização dos seus cidadãos é o Brasil e este ponto, de capital importância nas relações luso-brasileiras, funcionará como elemento propulsor para alargar as perspectivas de legalização e, no mínimo, garantir a intensidade deste fluxo migratório.
Quanto aos mecanismos que procuram rentabilizar a partir do Brasil o auxilio à imigração ilegal, os mesmos são extremamente difusos e tanto se pode estar a lidar apenas com um angariador no Brasil e um receptor em território nacional, sendo quase um negócio familiar, como se pode estar a lidar com um grupo de angariadores e de receptores mais numeroso e elaborado, incorrendo este último, como consequência do auxilio à imigração ilegal, na prática de crimes instrumentais tais como a falsificação e subtracção de documentos, utilização de documentos alheios, burla relativa a trabalho e emprego, angariação de mão-de-obra ilegal, tráfico de pessoas e lenocínio, movimentando as práticas atrás mencionadas elevadas quantias em dinheiro.
Este ponto será, em minha opinião, aquele que mais deverá merecer a atenção dos responsáveis nesta matéria, face ao desenvolvimento da selecção e angariação de mulheres em países terceiros[26], com particular incidência no nordeste do país, com vista à sua colocação em bares de alterne e prostituição em Portugal.


XIII


A resposta legislativa para o combate a este tipo de crime

Se é verdade que a reorganização da legislação para combater este flagelo se constatou numa melhor articulação entre os serviços de informações, SIS e SIED, face às suas áreas comuns de actuação de que a imigração ilegal e o tráfico de pessoas é um exemplo paradigmático, dos ponto de vista da actuação interna, tendo por base o espaço geográfico em que as polícias podem trabalhar, não é menos verdade que com a Lei de política criminal e a nova Lei Orgânica de Investigação Criminal (LOIC), entidades polícias como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de competência específica e a Polícia Judiciária, viram os seus campo de acção concertados, ainda que haja uma componente concorrencial na investigação destes tipos de crime e que se espelha da seguinte forma, consolidando a necessidade de penalização jurídica destas formas perniciosas de desequilíbrio social:

Lei nº. 51/2007, de 31 de Agosto – lei de política criminal

Objectivos específicos da política criminal: prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta, grave ou organizada, incluindo a associação criminosa dedicada ao tráfico de pessoas – alínea a) do artº 2;
Crimes de prevenção prioritária: tráfico de pessoas, falsificação de documentos e auxílio à imigração ilegal – alínea a), d) e f) do artº 3;
Crimes de investigação prioritária: tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos punível com pena de prisão superior a 3 anos e associada ao tráfico de pessoas e ao auxílio à imigração ilegal, a saber – as alínea a), f) e d) do artº 4 e do artº 5, definindo-se os imigrantes como vítimas especialmente indefesas;


Lei nº. 49/2008, de 27 de Agosto – lei de organização da investigação criminal:

· Órgão de polícia criminal de competência específica: SEF – nº 2, artº 3
· Competência específica em matéria de investigação criminal: princípios da especialização e racionalização na afectação dos recursos disponíveis para a investigação criminal – artº 4
· Crimes da competência de investigação do SEF definidos na LOIC (também competência da PJ): auxílio à imigração ilegal e associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e falsificação ou contrafacção de documento de identificação ou de viagem, conexo com os anteriores – respectivamente, as alíneas. a), b) e c) do nº 4, artº 7

A este quadro deverá ter-se sempre presente a necessidade de conjugação com a legislação do nosso Código Penal, com as alterações efectuadas em 2007, da lei de estrangeiros e demais legislação internacional, instrumentos preciosos para um combate consequente a este tipo de criminalidade e que a seguir enumeramos, destacando desde logo formas de protecção às vítimas deste tipo de crime, sublinhando a intenção de penalizar os prevaricadores deste tipo de crime e proteger o imigrante, em situação de fragilidade, das redes que o aliciam como forma de defesa dos direitos humanos.

Código Penal (alterações de 2007):

artº 160: tráfico de pessoas – crime contra a liberdade pessoal;
artº 169: lenocínio;
artº 256: falsificação ou contrafacção de documento (com incidência particular para a alínea c) do artº 255);
artº 261: uso de documento de identificação ou de viagem alheio;
artº 222: burla relativa a trabalho ou emprego;
· artº 299: associação criminosa;

Lei nº. 23/2007, de 4 de Julho – lei de estrangeiros:

· artº 181 e seguintes – disposições penais:
· artº 183 - auxílio à imigração ilegal
· artº 184 - associação de auxílio à imigração ilegal –
· artº 185 - angariação de mão-de-obra ilegal –
· artº 186 - casamento de conveniência

Resposta legislativa para a protecção a vítimas de tráfico de pessoas na lei de estrangeiros.

Possibilidade de emissão de uma autorização de residência válida por 1 ano e renovável por iguais períodos – artº 109;

Período de reflexão de 30 a 60 dias, anterior à emissão de autorização de residência – artº 111;

Acesso a informação relativa aos direitos relacionados com a protecção e apoio das vítimas – artº 110;

· Acesso a meios de subsistência e a tratamento médico urgente e adequado, assistência psicológica, garantia de segurança e protecção, assistência de tradução e interpretação, bem como jurídica e acesso a programas de integração e qualificação profissional – artigos 112 e 113;


Ao nível dos instrumentos legislativos internacionais e transpostos para o nosso ordenamento jurídico interno, destacam-se os seguintes:

Convenção da ONU contra a Criminalidade Organizada Transnacional, em particular o protocolo adicional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas em especial Mulheres e Crianças – 2000;
Decisão Quadro do Conselho da União Europeia – 2002;
Plano de Acção da OSCE contra o Trafico de Seres Humanos – 2003;
Directiva 2004/81/EC do Conselho da União Europeia – 2004;
Convenção contra o Tráfico de Seres Humanos do Conselho da Europa – 2005;
· Plano de Acção da União Europeia sobre boas práticas, normas e procedimentos para combate e prevenção do Tráfico de Seres Humanos – 2005;

É com este cenário legislativo se trabalha, perseguindo objectivos, já numa percepção dos efeitos da globalização em território nacional atrás aludidos, cujos alvos podem perfeitamente ser atingidos, atentos os efeitos perniciosos da sua acção no nosso ordenamento jurídico, em espaços que vão para além do território nacional e se localizem num qualquer Estado-Membro da UE e que uma vez executados permitem estender as actuações policiais, naturalmente subordinadas à fiscalização judiciária, com vista à sua responsabilização penal, através da utilização de mecanismos disponibilizados pelo Eurojust, sedeado em Haia, com base na Lei de Cooperação Judiciária Internacional (Lei 144/99 de 31/8) e da aplicação da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, com a aprovação do regime jurídico do mandado de detenção europeu nos Estados-Membros, tendo da utilização destes mecanismos já resultado acções bastante positivas no combate a este tipo de criminalidade.


XIV

Conclusão

“Em muitos aspectos, os mundos histórico e pós-histórico manterão existências paralelas, mas diferenciadas, com relativamente pouca interligação entre si. Haverá, todavia, diversos eixos ao longo dos quais estes dois mundos poderão colidir. O primeiro relaciona-se com o petróleo (…).
O segundo eixo de interacção é actualmente menos perceptível do que o petróleo, mas, a longo prazo, poderá ser mais perturbador: tem a ver com a imigração. Verifica-se presentemente um afluxo constante de pessoas dos países pobres e instáveis para aqueles que são ricos e seguros, o que está a afectar virtualmente todos os estados do mundo desenvolvido. Este afluxo, que tem vindo a aumentar nos últimos anos, pode acelerar-se repentinamente devido a tumultos no mundo histórico. Acontecimentos como a desintegração da União Soviética, a irrupção da violência étnica na Europa de Leste ou ainda a absorção de Hong-Kong por uma China comunista sem reformas poderão dar azo a maciças transferências de populações do mundo histórico para o pós-histórico.”


Francis Fukuyama

Essencialmente esta nova dinâmica criminal, associada às redes de imigração, deixa de ser um problema de mera transposição das nossas fronteiras externas para passar a desenvolver-se, em rede, pelo interior de países alvo da UE.
A este propósito transcrevo o expresso pelo Relatório de Segurança Interna relativo a 2001, ainda assim bastante actual, e que diz o seguinte:
A cada vez maior mobilidade de imigrantes ilegais no interior da UE e no interior do país, traduzida na opção, em 2000, pelo circuito paralelo da legalização – o do regime excepcional de autorização de residência, previsto no artigo 88º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, e, em 2001, pelo «circuito paralelo» das autorizações de permanência. (…) O aumento da criminalidade da criminalidade organizada associada à imigração, que se traduz, para o SEF, no alargamento da sua intervenção no âmbito da investigação criminal, tendo em conta os crimes conexos ao da imigração ilegal: falsificação de documentos, subtracção de documentos, burla relativa a trabalho e ao emprego, lenocínio, tráfico de pessoas, extorsão e roubo, sequestro, rapto, coacção, ofensas à integridade física graves e mesmo o próprio homicídio. Este alargamento estendeu-se a um novo crime – o da angariação de mão-de-obra ilegal, tipificado pelo Decreto-Lei 4/2001, de 10 de Janeiro, que alterou o Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto, passam a integrar as preocupações constantes do relatório de segurança interna referente aos anos de 2001[27] e que não sofrem alterações significativas actualmente.
Como consequência, o desenvolvimento desta nova forma de actuação, poderá atingir a segurança interna dos países alvo. Desenvolve-se um novo tipo de criminalidade, de carácter essencialmente transnacional, que introduz sem grandes obstáculos novos tipos de criminalidade, no caso em apreço ligados à exploração da condição humana de imigrantes que poderão atingir proporções preocupantes. Tais organizações dedicam-se a uma actividade de grupo, disciplinada e estruturada, que tem como primeiro fim obter proveito económico através de comportamentos criminosos a longo termo e contínua, conduzida independentemente das fronteiras nacionais, gerando proveitos que são disponibilizados para fins ilícitos.[28]
A título meramente exemplificativo, segundo um “Draft paper” preparado pelo Secretariado do Grupo de Budapeste para o encontro do Grupo de Trabalho na Moldávia, Chisinau, 7-8 Novembro 2002”, estima-se que entre 600.000 a 1.000.000 de cidadãos moldavos, num total de 4.500.000, estão no exterior (dados das Nações Unidas)[29]. Ainda segundo Organizações Não Governamentais (ONG’S), 70% do total de imigrantes no exterior são mulheres.
Quanto a Portugal, ainda hoje, tendo em conta as rotas utilizadas, poderemos adiantar que faz parte do roteiro e dos canais migratórios, a saber: Itália – França – Alemanha – Portugal.

No cenário internacional inicialmente a angariação incidiu sobre mulheres albanesas, à quais se seguiram as moldavas, havendo indícios de que países como a Bielo-Rússia e o Tajiquistão vejam as suas nacionais a suplantar as moldavas.
Depois das armas e da droga, o tráfico de mulheres é o mercado em ascensão a partir da América Latina e África (Nigéria, Gana, Congo, R. D. Congo), direccionando-o para as repúblicas da ex-união soviética e da UE.
Facturam-se milhões de euros por ano que terão como destinos os negócios do crime organizado. O que dissemos anteriormente quanto à estrutura das organizações criminosas, que visam à semelhança de organizações capitalistas o lucro, associado a uma componente que Ziegler caracterizou de militar e que elimina obstáculos à sua implantação, introduziu-se em Portugal ao nível do tráfico de imigrantes.
O nosso país passa a ser visto como espaço estratégico para a passagem e trânsito de imigrantes. A partir deste princípio teremos que projectar, ao nível pro-activo, estudos e preparação para lutar contra este tipo de criminalidade que, estando desde já implantada, carecerá ainda de alguma solidez, situação que permitirá algum espaço de manobra aos organismos oficiais.
Nesta perspectiva a utilização dos migrantes, sob coacção de organizações criminosas, terá quatro componentes a ter em conta e que se não estiverem estruturadas no âmbito de uma política adequada para a investigação criminal serão perniciosas para a segurança interna, a saber:

A utilização do imigrante com vista à sua exploração contínua e cujo objectivo será o de garantir de forma regular fluxos financeiros para a organização;
Directamente relacionada com a componente anterior está a introdução de elementos operacionais cujo objectivo será o de evitar a interferência no bom funcionamento da organização. A sua acção é a de garantir que a cobranças mensais se processem com normalidade. Associados a estes elementos está uma bem implementada rede de informações que indica com precisão os imigrantes a extorquir;
A exploração sexual de mulheres, componente que garante à priori a obtenção de elevados dividendos financeiros. Os fluxos migratórios que se destacam são oriundos do leste da Europa e Brasil, mas começa a fazer-se sentir, a interferência de mulheres oriundas de África, nomeadamente nigerianas;
O aproveitamento de canais migratórios para a introdução de elementos que façam parte de células terroristas e necessitem de espaços para recuo, enquanto aguardam directrizes para futuras acções.

Numa perspectiva genérica, podendo determinados crimes estarem mais associados a certos fluxos migratórios, podemos dizer que houve um desenvolvimento de crimes como a extorsão, associação criminosa, auxílio e associação de auxílio à imigração ilegal, roubo, sequestro, homicídio e falsificação de documentos e que levaram a um acentuar de condenações neste tipo de.
Emerge a partir das intervenções dos Órgãos de Polícia Criminal e das decisões judiciais outro problema que deve merecer a atenção para o combate aos fluxos migratórios desregulados. Num total de 14164 reclusos 951 são de África, 204 da América Latina e 359 originários de países do leste da Europa, com especial destaque para 122 ucranianos, 81 moldavos, 45 romenos e 42 russos[30]. Em dois anos, o número de reclusos de Leste cresceu mais de 350% constituindo um grupo “perigoso” e um “risco para outros reclusos”[31].
Segundo o investigador Rui Abrunhosa da Universidade do Minho, especialista em Psicologia da Justiça, “ …os reclusos – acusados normalmente de associação criminosa, angariação de imigração ilegal, extorsão e homicídios ligados a esta actividade criminal – apresentam um “perfil muito complicado”: têm geralmente um maior percurso académico do que os restantes detidos e foram sujeitos a treino militar, o que faz deles pessoas fisicamente muito fortes. (…) Para este imigrantes, “não há saídas precárias ou liberdade condicional”. Só podem cumprir integralmente a pena e, no final, resta a extradição para o país de origem. (…) A necessidade de um acompanhamento de perto destes indivíduos (…) é sobretudo explicada pelo facto de “a cadeia não modificar os padrões de comportamento e de existir criminalidade dentro das prisões” (…) muitos destes elementos (…) seriam candidatos a uma eventual cadeia de segurança máxima, cuja construção em Portugal o investigador defende”.[32]
Por último, mas não menos importante, uma lacuna que obrigatoriamente teremos que ultrapassar. Não há, até à data em Portugal, resultados significativos de investigações realizadas sobre fluxos migratórios chineses. Como obstáculo de difícil transposição temos a questão cultural, que obrigará a uma maior aprendizagem sobre a cultura de pessoas oriundas daquelas paragens.
A forma como jogam com o muro de silêncio imposto pelos “cabeça de cobra” impossibilita a obtenção de resultados; na maioria dos casos estes ficam-se por recusas de entrada no país ou readmissões a Espanha, o que quer dizer que a penalização recai sobre o imigrante traficado.
Como já foi dito o dinheiro envolvido ultrapassa os preços praticados pelas organizações do Leste da Europa, as pessoas traficadas não trabalham fora da comunidade, as empresas – em muitos casos sem volume de negócios que justifiquem a sua criação – funcionam como rede de recepção e de encobrimento. Esta é, em síntese, a matriz que caracteriza (para além da discrição quase absoluta) a comunidade chinesa informal perante a qual não houve, até à data, qualquer actuação significativa apesar de um enormíssimo rol de suspeitas.
Será importante, para as polícias europeias, um trabalho em rede, com uma troca de informação que aproveite os desenvolvimentos das tecnologias de informação, se constituam – desde que ultrapassados obstáculos legais – em equipas mistas de investigação, ponto que a Europol tem vinda a trabalhar e pela qual deverá passar grande parte da actuação das polícias europeias num futuro próximo.
Esta uniformidade de métodos de trabalho e investigação obrigará a uma reestruturação da formação policial e respectivas competências no nosso país, cujo objectivo deverá primar pela agilidade da sua actuação na resposta aos problemas colocados.
A necessidade de reestruturação, tanto policial quanto judicial, será tanto mais necessária face à realidade descrita por Fukuyama no seu livro “O Fim da História e o Último Homem” em que a procura da felicidade humana é feita no sentido das sociedades demo-liberais em contraposição às sociedades ditatoriais, partindo da perspectiva de Hegel em que o eclodir da Revolução Francesa, e também a Americana, segundo o autor, nos levariam tendencialmente para as sociedades perfeitas onde o homem teria o direito ao thymos[33], ou seja ao reconhecimento.
Com a imigração, o grande desafio o século XXI, assistimos a essa procura; o grande problema para os países de destino é que tal procura enferma de uma grave desregulação e o movimento a que assistimos, envolvendo cifras enormes, foi com naturalidade, face à forma como se desenvolve a criminalidade em rede, e dadas as características da globalização, aproveitado por formas organizadas de crime que, a desenvolverem-se descontroladamente, poderão pôr em causa o natural equilíbrio social pretendido pelos países mais desenvolvidos.

José van der Kellen
Inspector Superior do SEF
Bibliografia e notas do autor



[1] Ver discurso do Presidente Obama na última reunião da Organização de Estados Americanos (OEA): “A América é uma grande nação, mas é apenas uma nação”.

[2] Destacam-se aqui crimes instrumentais como a falsificação de documentos, tráfico de pessoas (tipificado nas alterações de 2007 ao Código de Penal), casamentos brancos, extorsão, rapto, sequestro, branqueamento de capitais, etc.

[3] Apontamentos de uma aula do Prof. Adriano Moreira no Instituto da defesa Nacional em Coimbra, a 12.10.2002 – CDN 2003.

[4] http://www.sis.pt/ – A lei comete ao SIS a exclusividade da produção de informações de segurança para apoio à tomada de decisão do Executivo.
O SIS é, no âmbito do SIRP, o único Serviço que integra as Forças e Serviços de Segurança, com as quais tem o especial dever de colaboração.
Deste modo, compete-lhe recolher, processar e difundir informações no quadro da Segurança Interna, nos domínios da sabotagem, do

terrorismo, da espionagem, incluindo a espionagem económica, tecnológica e científica, e de todos os demais actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito democrático, incluindo os movimentos que promovem a violência (designadamente de inspiração xenófoba ou alegadamente religiosa, política ou desportiva) e fenómenos graves de criminalidade organizada, mormente de carácter transnacional, tais como a proliferação de armas de destruição maciça, o branqueamento de capitais, o tráfico de droga, o tráfico de pessoas e o estabelecimento de redes de imigração ilegal.

[5] http://www.sied.pt/ – De acordo com o quadro legal vigente, actualizado pela Lei n.º 4/2004, de 6 de Novembro, o SIED tem por missão produzir informações visando a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português. Complementarmente, a nova Lei de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto) veio prever a participação do SIED no Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI), no Gabinete Coordenador de Segurança (GCS) e na Unidade de Coordenação Anti-Terrorista (UCAT). A ratio legis desta alteração legislativa radica na responsabilidade do SIED, enquanto serviço de segurança externa, e nessa condição instrumento complementar da actividade de segurança interna, em assegurar as informações necessárias sobre as ameaças, de origem externa, à segurança interna.
Neste quadro, o SIED contribui para o processo de decisão política através da produção de informação privilegiada, sobretudo nos domínios relacionados com: a avaliação da ameaça terrorista, a identificação de redes internacionais de crime organizado, nomeadamente as envolvidas em narcotráfico, facilitação da imigração ilegal e proliferação nuclear, biológica e química (NBQ); o acompanhamento permanente da situação de segurança das comunidades portuguesas residentes no estrangeiro; o alerta precoce para situações onde haja um potencial comprometimento dos interesses nacionais; as matérias políticas, energéticas, económicas e de Defesa que constituam prioridade da política externa portuguesa.

[6] Caracterização de Jacques Delors face à queda do muro de Berlim e as suas consequências.

[7] Fronteiras: Do Império à União Europeia, Adriano Moreira in Revolução e Democracia – 1, do Marcelismo ao fim do Império, direcção de J.M.Brandão Brito para o Círculo de Leitores, pág.278.

[8] Dicionário de História do Estado Novo, direcção de Fernando Rosas e Brandão de Brito, Emigração, pág. 294 a 297.

[9] Do Marcelismo ao fim do Império, Revolução e Democracia, direcção de Brandão de Brito, trabalho do Prof. José Telo, Capítulo IV – As relações internacionais da transição, pág. 226 a 233.

[10] Dicionário de História do Estado Novo, direcção de Fernando Rosas e Brandão de Brito, Emigração, gráfico, pág. 296.

[11] Altos e baixos de um casamento feliz, artigo de Teresa de Sousa, jornalista, in Revista Egoísta – "Portugal pensar o futuro", Fevereiro de 2003.

[12] Fonte SEF.

[13] Portugal e a sua circunstância, texto do Prof. Adriano Moreira, in revista Egoísta – "Portugal pensar o futuro", Fevereiro de 2003.

[14] O Conceito de fronteira na Época da Mundialização, de Maria Regina Marchueta, Edições Cosmos, Instituto de Defesa Nacional, pág. 39.

[15] Quanto a este assunto o posicionamento geográfico de países com a Ucrânia torna-se vital para a UE. Esta ideia ficou aliás expressa em conferência a que se chamou “Kiev Initiative”, realizada a 21 de Dezembro de 1999, onde se reafirma a situação geográfica da Ucrânia como zona tampão (“buffer zone”) dado o seu papel de país de trânsito a ser utilizado como rota por organizações ligadas à imigração ilegal cujo destino é essencialmente a UE. Em Janeiro de 2000, por ocasião de uma peritagem da UE e que o autor integrou, segundo informações recolhidas junto de ONG’s haveria cerca de 500 000 imigrantes ilegais na Ucrânia (originários essencialmente de países do Médio-Oriente, China, Vietname, Nigéria, Paquistão, Índia, Afeganistão) cujo objectivo era chegar a países da UE, razão pela qual as autoridades daquele país exigiam apoio para a reestruturação dos seus serviços.

[16] O Conceito de fronteira na Época da Mundialização, Cap. V, A evolução das fronteiras em Portugal, de Maria Regina Marchueta, Edições Cosmos, Instituto de Defesa Nacional, pág. 191, citando Adriano Moreira.

[17] Sublinhado nosso. Estas formas de exclusão que acontecem em parte pela inabilidade dos Estados alvo dos fluxos migratórios, são claramente exploradas pelas organizações criminosas para a prossecução de uma estratégia de exploração do imigrante nos mais variados níveis e que se afigura de tal modo rentável que faz perfilar esta actividade como uma das que mais lucros permitem ao crime organizado neste início de século.

[18] O Conceito de fronteira na Época da Mundialização, Cap. V A evolução das fronteiras em Portugal, de Maria Regina Marchueta, Edições Cosmos, Instituto de Defesa Nacional, pág. 192 e 193.

[19] A Europa de Leste, Do início da queda à actualidade, de Bulent Gokay, pág. 11.

[20] Os senhores do crime, As novas máfias contra a democracia, de Jean Ziegler, pág. 19, Editora Terramar.

[21] Em Portugal foram julgados casos de organizações criminosas cuja caracterização se assemelha à definição de Jean Ziegler, nomeadamente no Algarve, para citar os casos mais recentes e que se traduziram em pesadas condenações aos arguidos envolvidos cita-se aqui o processo com o NUIPC 22/05.5ZRFAR do qual resultou a leitura do Acórdão de sentença aos 11DEZ2007, no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, que envolveu a “Ala Ucraniana”.
Da extensa leitura, mais de cento e quarenta folhas, que se prolongou por cerca de quatro horas, salienta-se o facto de se ter considerado provado o cometimento por parte dos arguidos de vários crimes, nomeadamente os crimes de AssociaçãoCriminosa, Auxilio à Imigração Ilegal, Lenocínio, Extorsão Agravada, Rapto, Roubo, Falsificação de Documentos e Violação de Domicílio.
Ficou ainda provado que os arguidos actuavam em grupo, de forma perfeitamente organizada e reiterada, funcionando como um grupo possuidor de uma forte estrutura hierarquizada, tendo cada um dos seus elementos tarefas bem definidas no interior do mesmo. Ao arguidos foram condenados a penas de 25, 22, 20, 17, 15, 11 e 5 anos respectivamente . Outro caso com condenações idênticas e numa investigação de crimes praticados por uma estrutura criminosa e que ficou conhecida como a “Ala Moldava”, foi a do processo com o NUIPC 1099/06.0TAPTM , tendo os arguidos sido condenados por associação criminosa, vários crimes de extorsão e extorsão agravada, coacção, furto, corrupção, falsificação de notações técnicas e detenção de arma proibida, variando as penas aplicadas entre os 23, 17, 10 e os 5 anos para aos arguidos mais importantes.


[22] Constatação da Missão de Peritos da UE à Ucrânia que o autor integrou, de 17 a 21 de Janeiro de 2000.


[23] Os Senhores do Crime, As novas máfias contra a democracia, de Jean Ziegler, pág. 116.

[24] Passou a ser vulgar no léxico de processos-crime em curso em Portugal, com matéria ligada à imigração ilegal oriunda do leste europeu, a terminologia reketiri, corruptela russa do termo inglês racketeer, aquele que exerce uma chantagem, uma extorsão, que cobra determinadas quantias para exercer protecção, situação também descrita a propósito da acção destes grupos nos EUA no livro de Jean Ziegler,” Os Senhores do Crime, As novas máfias contra a democracia, pág.81.

[25] De acordo com a Convenção Europol o Tráfico de seres humanos é definido como a forma de submeter uma pessoa ao poder real e ilegal de outrem, mediante recurso à violência ou a ameaças, abuso de autoridade ou a utilização de subterfúgios. Não restringe o crime de Tráfico de pessoas apenas para fins de exploração sexual.

[26] Designações para Estados que não integram a UE.

[27] Relatório de segurança interna relativo a 2001, Diário da República de 13 de Julho de 2002, II Série-C Número 13, pág. 23.

[28] Definição do National Criminal Intelligence Service citada em documento do Departamento Central de Investigação e Acção Penal da Procuradoria-Geral da República de Setembro de 2002.

[29] Draft paper prepared by the Secretariat of the Budapest Process for the meeting of the Working Group on Moldova, Chisinau, 7-8 November 2002. The Republic of Moldova makes an unofficial estimation of over 500 000 of its citizens illegally staying abroad, however the UN data varies between 600 000 and 1 million. Taking into consideration that the population of Moldova is about 4, 5 million.

[30] Fonte Direcção Geral dos Serviços Prisionais, in DN de 16 de Março 2003.

[31] in DN de 16 de Março de 2003.

[32] Idem, ibidem.

[33] “O Fim da História e o Último Homem”, Ascensão e queda do thymos – Capítulo 17, de Francis Fukuyama, págs. 185 a 193, Gradiva – Publicações Lda.