terça-feira, 24 de novembro de 2009

Imigração ilegal e Terrorismo

As redes de imigração ilegal e o fenómeno do terrorismo
Texto de 2005

Um dos actuais dilemas da Europa resulta do confronto entre a necessidade de segurança, da qual pode resultar uma desadequada e excessiva restrição das políticas migratórias, e os não menos necessários fluxos migratórios que rejuvenesçam a sua população e possibilitem a execução de uma série de trabalhos, muitos ditos de menor dignidade social, para os quais os europeus já não estão virados.
Associado ao problema do envelhecimento da população, a Europa está confrontada com um receio enorme de ver a sua matriz e identidade culturais completamente alteradas pelos povos que demandam o velho continente. Não se preparou em devido tempo e, do alto do seu desenvolvimento e qualidade de vida, não teve a percepção que homens e mulheres deserdados de outras paragens aguardavam o momento oportuno – chegado com o advento da globalização – para darem corpo aos canais migratórios antes estabelecidos pelos próprios europeus. Estes canais migratórios, de origem europeia, tiveram, em grande parte, no inevitável movimento descolonizador que irrompeu entre o fim da Segunda Guerra Mundial e os anos sessenta, a inversão do sentido de movimentos.
Passamos a ser alvo, e não fonte, dos movimentos migratórios. Chegado o momento de inversão das tendências, os Estados da velha Europa, atónitos, parecem não ter dado conta da mudança registada.
Este dilema, que tem servido de arma de arremesso político no seio de cada país, serve antes do mais para um combate estéril entre esquerdas e direitas, acabando por não ter o tratamento adequado nos diversos campos transversais das ciências sociais. Tardam as perspectivas de médio e longo prazo, através de uma intervenção directa na gestão dos fluxos migratórios pelos Estados alvo, o que resulta no seu enfraquecimento e visível marginalização face ao fenómeno.
O alheamento dos estados da União Europeia, que só recentemente começaram a debruçar-se sobre o problema, levou a uma vacatura na intervenção da regulação a que os fluxos migratórios deveriam estar sujeitos, não se verificando a intervenção de qualquer elemento formal na dinâmica que começa a constatar-se a partir do final dos anos oitenta e que se prolongou até aos dias de hoje.
Quando o problema do direito dos imigrantes chega à opinião pública e começa a ser discutido, já os Estados estão atrasados no preenchimento do lugar vago para intervir nos fluxos migratórios. Uma plêiade de formas de crime – organizada ou singular – passa a gerir aquele que pode muito bem ser o grande negócio do século XXI: o tráfico de imigrantes, sob as mais diversas formas.
Na prática, com uma promessa mais célere para se chegar ao sonho do el dorado, este sistema informal possibilita o acesso ao inimaginável sem as demoras burocráticas que antecedem a aposição de uma vinheta num passaporte.

As grandes rotas de acesso


A evolução do fenómeno que atrás foi sinteticamente exposto transporta para matérias de polícia a responsabilidade de conter a avalancha que diariamente atinge a Europa. Com esta perspectiva, a ideia de segurança e de fronteira (espaço que diferencia áreas geográficas, que delimita soberanias e que estabelece diferenças entre nós e os outros) passam a estar associadas.
Os espaços que rodeiam a Europa estão muito próximos do caos e apresentam-se como locais férteis para o desenvolvimento de estruturas do crime organizado na gestão do negócio do tráfico de imigrantes. Das regiões sob controlo das estruturas criminosas salientamos as seguintes: (i) Mediterrâneo Oriental; (ii) Norte de África; (iii) Costa Ocidental de África; (iv) Europa Central e de Leste e (v) Balcãs. Trata-se de rotas essencialmente terrestres e marítimas, embora se possam detectar conexões entre estas regiões e, por exemplo, o Médio Oriente feitas por avião como trajectos utilizados por fluxos migratórios irregulares.
À maioria de todos estes espaços se detecta um denominador comum: a permissividade relativa a doutrinas radicais do Islão, presentemente uma das grandes preocupações do Ocidente. Os fluxos migratórios originários das regiões fronteiriças à Europa originaram uma diáspora de forte coesão religiosa e cultural. Apesar da sua essência involuntária, esta diáspora é bem cimentada, baseando-se num sentimento de partilha de valores. O desafio radica, em grande parte, na forma como, numa perspectiva multicultural, se pretende fazer a integração de pessoas cuja percepção do mundo se baseia numa matriz religiosa.
Estamos perante duas vontades: uma, por parte dos países receptores, com a intenção de integração e de minimizar os choques entre quem está e quem chega; outra, da parte das comunidades imigrantes, com a intenção de, sobretudo, marcarem a sua diferença, delimitar territórios culturais e desenvolver estruturas que combatam uma matriz cultural que rejeitam liminarmente, no próprio núcleo territorial, cultural e económico dos que os recebem.

Das realidades regionais à globalização


Mais do que estruturas complexas e pesadas que facilmente podem ser detectadas, a imigração ilegal desenvolveu estruturas em rede, com uma enorme capacidade de desenvolverem a troca de informação, que servem na perfeição os modelos do terrorismo internacional, tendo como ponto de partida para a sua caracterização a «escola» da organização Al-Qaeda. A actuação a um nível global, como a que a Al-Qaeda iniciou a partir da ocupação soviética do Afeganistão, vê a sua capacidade de materialização aumentada através de uma dispersão em rede, característica das redes de auxílio á imigração ilegal, que facilmente podem por si ser manipuladas, ou mesmo meramente utilizadas como uma prestação de serviços que não necessitam de tutelar.
Quanto às comunidades de matriz cultural islâmica[1] que, a partir das rotas e regiões mencionadas anteriormente, possam parcialmente ter desenvolvido a sua diáspora através de canais migratórios na sua relação com as comunidades de destino, duas opções são colocadas: (i) uma perspectiva de integração, com uma visão multicultural aberta e geradora de desenvolvimento e que obriga a uma interacção entre os chegam e os que recebem; (ii) uma perspectiva fechada, de rejeição dos valores ocidentais, que desenvolve ghettos e, na prática, transfere realidades culturais regionais que pretende manter intocáveis, perspectivando um prolongamento do combate entre o Islão e as sociedades ocidentalizadas.
Como é do conhecimento de quem acompanha de perto o desenvolvimento deste fenómeno, os grupos islâmicos funcionam por diferentes níveis de operacionalidade e desenvolvem, na generalidade dos casos, combates que têm origem em causas locais ou regionais, a partir das quais procuram uma integração na dinâmica da jihad global.
O conceito de globalização, muito querido na actual dinâmica empresarial e do mundo dos negócios, que trespassa facilmente fronteiras e transforma o mundo numa aldeia global, adapta-se perfeitamente aos propósitos de grupos radicais, num momento em que a era da informação e o desenvolvimento inerente das novas tecnologias permitem ligações à escala mundial, permitindo formas de mobilidade muito difíceis de controlar.
As razões deste tipo de adesão a uma espécie de worldwideweb podem ser várias. Desde logo podem estar relacionadas com a implementação de medidas securitárias de um determinado governo, cujos efeitos podem potenciar factores de rejeição e de luta que conduzem a uma adesão à jihad global. Por outro lado, a simpatia por uma causa específica costuma também ser motivo de adesão a uma organização em rede. Finalmente, há que considerar a possibilidade de a adesão à jihad global poder conferir determinado tipo de proventos face à ligação entre muitas destas células e o tráfico de droga.
Deparamo-nos assim com uma plêiade de factores que interagem entre si e produzem, independentemente dos países e regiões em que se localizam, um considerável número de indivíduos com apetência para uma interpretação radical do Islão, que a partir de uma base sociológica sustentada pode determinar relacionamentos e conflitos à escala global. Com uma imigração fora do controlo das organizações governamentais, o desenvolvimento deste tipo de comunidades em redor de mesquitas lideradas por imãs com discursos inflamados contra o ocidente, acaba por originar, pela marginalidade social que encerra, a produção de ódios contra o ocidente e o seu modo de vida.
Este tipo de fenómeno ocorre e alastra-se também a muitos dos países árabes onde se desenvolvem correntes doutrinárias mais radicais; a adesão a esta linha de pensamento e acção é consequência do desenraizamento social de muitos “mujhaedin” entretanto regressados depois do voluntariado pela “jihad”, no Afeganistão ou nos Balcãs, onde interiorizaram, consolidaram e mitificaram o espírito, a luta e o sacrifício contra o Ocidente preconizados pela Al-Qaeda.
De tudo isto resulta claro que o combate ao fenómeno do terrorismo, que como se constata possibilita inúmeras possibilidades de recrutamento em ambos os lados da fronteira, não pode ser objectivo exclusivo do Ocidente sendo fundamental o envolvimento dos países árabes naturalmente conhecedores, melhores que ninguém, do ambiente em que tudo isto se desenvolve.

As comunidades islâmicas e a sua vulnerabilidade


Tal como anteriormente referido, na maior ou menor capacidade de integração estará o sucesso ou o insucesso do fenómeno migratório de matriz islâmica, competindo aos países receptores e de maior maturidade democrática, lutar pela harmonia entre comunidades e fazer reflectir esse sucesso na interacção necessária à diversidade cultural.
Do estrito ponto de vista da segurança interna dos Estados, tal não depende apenas das suas estruturas, ou tampouco das políticas que se pretendam implementar. Há uma dinâmica internacional, de características transnacionais e com implicações estratégicas nas relações internacionais que devem ser ponderadas; a realidade mostra-nos que muito do que está acontecer resulta de um desequilíbrio entre o mundo islâmico e o mundo ocidental, cujas origens podem ser parcialmente identificadas numa espécie de fractura estruturante entre as civilizações de orientação muçulmana e as ditas civilizações ocidentais. A psicologia das sociedades e os diversos estudos sociológicos e antropológicos sugerem que o desenvolvimento tecnológico europeu, grandemente baseado nas ciências desenvolvidas pela civilização muçulmana, pode ter aberto feridas e adensado o complexo «choque civilizacional» que se faz sentir até aos nossos dias. A expansão marítima portuguesa foi um exemplo disso, tendo dado início a um movimento renascentista que, progressivamente, massificou a cultura, os valores ocidental e o desenvolvimento económico à escala global.
Se é certo que tudo isto permitiu que em certas regiões se atingisse um elevado índice de desenvolvimento humano, não é menos verdade que não houve equilíbrio na distribuição da riqueza e no desenvolvimento daí inerente. Tudo isto se reflecte, de forma muito sentida, num tempo em que a era da informação que vivemos impede o desconhecimento de muitas destas razões como génese do problema.
É assim desde já possível saber como se vive do outro lado da fronteira e do outro lado do mundo; a dinâmica migratória torna-se inevitável bastando para tal ler o relatório do PNUD (ver quadro) e constatar o espaço de manobra que as pessoas têm para viver.





Com a aceleração da História e o desmoronamento do mundo comunista em que do ponto de vista histórico a queda do muro de Berlim foi e é uma referência, toda a dinâmica da relação de espaços e a visão de fronteira foi alterada. Muito provavelmente ainda demoraremos alguns anos para termos plena consciência das consequências do fim da bipolarização. De momento poderemos afirmar, sem margem de erro, que o final da Guerra Fria foi determinante para o novo e mais complexo fluxo migratório à escala planetária a que assistimos. A realidade dos fenómenos migratórios decorrente desta alteração nunca mais será a mesma.
De tudo isto há algo que urge perceber: se os Estados não tiverem capacidade de gerir os fluxos migratórios terão sempre problemas ao nível da sua segurança interna. O que se passa actualmente na Europa é claramente sintomático de tudo isto; os resultados na vizinha Espanha, com a investigação dos atentados às torres gémeas em Nova Iorque, mostraram-nos, ao nível da informação processual decorrente das investigações criminais, um número de trinta suspeitos a levar a julgamento. Destes, verificou-se que muitos não estavam em situação regular nem em Espanha nem em qualquer outro país europeu.
Se juntarmos a este pormenor o que se investigou e apurou relativamente aos atentados de 11 de Março em Madrid percebe-se facilmente a forma tentacular do terrorismo nos nossos dias e a sua ligação às bolsas irregulares de imigrantes.
Esta aparente contradição, com o recrutamento a constatar-se nos grandes centros urbanos da Europa, através de células e bolsas de imigrantes que gravitam ao redor de imãs e mesquitas, fazem do nosso continente, se não um alvo privilegiado, local por excelência onde se poderão desenvolver actividades que alimentam o terrorismo aos mais diversos níveis.
A preocupação dos serviços de informações e serviços de segurança sobre estas questões muito concretas, que se verificam no cerne do espaço geográfico onde nos situamos, são tanto mais evidentes quanto as consequências que determinados actos ilícitos têm ao nível penal. Para situações que podem servir de instrumentos ao desenvolvimento do terrorismo, as sanções muitas vezes aplicáveis, e que decorrem naturalmente do que é possível apurar em sede de processo-crime e de julgamento, são autênticas bagatelas penais cujos efeitos se traduzem na libertação, pouco tempo depois, dos arguidos e muitas vezes também na impossibilidade de se proceder ao afastamento para o país de origem dos envolvidos.
Perante esta constatação deve-se desenvolver trabalho e recolha de informação, com operacionais bem treinados no terreno, cuja acção, para além de alimentar as investigações judiciárias, permite uma aproximação dos analistas à realidade do terreno, possibilitando simultaneamente a implementação de intervenções proactivas que dificultem a acção de recrutadores, dando-nos a nós um conhecimento muito próximo de células que se pretendam disseminar por diferentes espaços geográficos.

A falsificação de documentos


O universo do mercado que procura este tipo de solução é amplo: terroristas, delinquentes, imigrantes oriundos de África, América Latina, Europa de Leste e Ásia diz bem da procura dos ambicionados documentos. Na realidade constata-se que, fruto de uma incessante demanda, o valor dos documentos atinge preços exorbitantes. Determinado tipo de solicitações, que podem levar a uma falsificação intelectual[2] dos documentos, impossibilitando a verificação de uma falsificação material[3], podem facilmente atingir os 5.000,00 €.
Os grupos marginais existentes nas sociedades europeias (como os da toxicodependência ou da prostituição, por exemplo) permitem obter expedientes impensáveis, a troco de quantias irrisórias, da parte de quem pretende obter um documento falso. Aos dependentes da droga, por menos de 100,00 €, consegue-se, na maior parte dos casos, comprar o Bilhete de Identidade com vista à sua falsificação e a obtenção fraudulenta do respectivo passaporte (genuinamente emitido). Na área da prostituição ou da de muitas jovens em frágil situação económica verifica-se uma tendência para a venda dos documentos de identidade e para a criação dos chamados «casamentos brancos», simulados com imigrantes oriundos de países teocráticos de matriz fundamentalista islâmica, cujo único objectivo é a obtenção fraudulenta de um cartão de residente comunitário. Nestes casos o nubente originário de um país terceiro obtém um documento de um Estado-Membro que permite, à semelhança de um qualquer cidadão da União Europeia, o acesso a direitos essencialmente a estes reservados e que assentam essencialmente na sua legalização e possibilidade de livre circulação.
O fenómeno verifica-se em diversos países e constata-se em Portugal, Bélgica, Reino Unido e países nórdicos, onde cidadãs da União Europeia circularam por diversos Estados-Membros, com o propósito único de se casarem com um desconhecido a troco de uma determinada quantia.
Quanto à produção específica dos documentos falsos, a sua actividade tem muito a ver com as ligações perigosas entre os mais diversos tipos de crime: crime organizado, associações criminosas ligadas à imigração ilegal, extorsão, tráfico de droga, falsificação de cartões de crédito, etc. Na maior parte dos casos estamos perante grupos de criminosos que apenas visam o lucro e envolvem cidadãos nacionais dos Estados-Membros. O caso português é paradigmático, sendo que a falsificação, como arte, está ligada essencialmente a cidadãos nacionais que, a bom preço, fornecem documentos a imigrantes ilegais provenientes de regiões de risco, pouco importando as consequências de tal actividade, mesmo que sejam os inimagináveis acontecimentos do World Trade Center ou dos comboios da Estação de Atocha.

Esta realidade está muito próxima do que se pode caracterizar, dentro dos esquemas de comunicação em rede que se desenvolvem no seio das organizações marginais, como uma prestação de serviços em que se satisfaz a pretensão do cliente procurando-se sempre não estabelecer uma relação que permita identificar uma ligação de associação entre os intervenientes neste processo. À semelhança das organizações formais funciona aqui o princípio do need to know.
Procura-se em muitos dos casos que a informação seja compartimentada, evitando-se mesmo saber as actividades dos intervenientes envolvidos no negócio. A única coisa que aqui se respeita é o dinheiro que tem de estar presente nos compromissos assumidos para certificar as relações deste mercado paralelo.
Na prática, o que se verifica é que o universo e o ambiente em que se desenvolvem as relações entre os imigrantes clandestinos originários das regiões atrás mencionadas e o espaço em que se desenvolvem as actividades ligadas ao terrorismo são comuns; esta realidade permite-nos perceber que a circulação de informação marginal, perigosa, se move em espaços muito ligados aos fluxos migratórios ilegais. Neste momento é impensável, no seio da comunidade de informações, a projecção de trabalhos sem a intervenção de um serviço de segurança que assente a sua actividade no combate aos fluxos migratórios irregulares e que, fruto da sua competência, tem que ter, naturalmente, uma capacidade e um conhecimento destas realidades que não deve ser desperdiçado.
A investigação criminal direccionada para o combate à imigração ilegal, pela capacidade de informação que permite obter, não só em sede de processo crime mas também nos casos de conhecimento de informação especulativa que possibilita, de forma preventiva, a intervenção dos serviços e forças de segurança, é uma vertente que deve ser desenvolvida nos próximos tempos e alicerçar-se numa base de troca de informação transnacional, sendo aqui de salientar o trabalho já feito ao nível da Europol estrutura para a qual Portugal tem remetido uma quantidade assinalável de informação.
Neste momento, face à apetência que existe pela obtenção de documentos falsos, o risco que se corre em Portugal é o de se tornar um país prestador, por excelência, deste tipo de serviços, razão naturalmente óbvia para que se verifique uma procura do nosso país do lado de quem desenvolve actividades nesta área da criminalidade.
O minimizar deste risco vai obrigar a que, muito urgentemente, se implementem pelo menos duas medidas: (i) a criação de um modelo mais seguro do Bilhete de Identidade (estes trabalhos estarão actualmente em curso); (ii) a reconcepção da base de dados nacional onde são armazenados os dados biográficos e fotográficos dos cidadãos portugueses, sendo que é desejável que este modelo se aproxime daquele que foi concebido para o da concepção dos passaportes portugueses.
A inépcia no que concerne a estas questões, a curto prazo, põe claramente em causa a segurança nacional.

A posição estratégica de Portugal e a sua relação com diferentes espaços


É fundamental para Portugal perceber, neste sector, quais os espaços regionais mais importantes para uma definição de prioridades. A nossa posição geográfica, no extremo ocidental da Europa, eventualmente periférica para determinadas actividades, faz de nós um país procurado por quem se dedica, de forma organizada ou singular, a actividades ligadas à imigração ilegal, falsificação de documentos e por toda uma série de criminalidade conexa aos fluxos migratórios irregulares.
Do espaço atlântico, Portugal é diariamente pressionado a partir da América do Sul, e muito particularmente do Brasil, com rotas aéreas directas ou com ligações a algumas capitais europeias como Madrid, Paris e Amesterdão, que têm como destino Portugal ou a sua utilização em trânsito, por períodos previamente estabelecidos, para se atingirem países como o Reino Unido, os Estados Unidos da América ou Canadá. Da costa ocidental africana deparamo-nos com uma ameaça, por via marítima, que nos deve obrigar proactivamente a pensar numa hipótese de tais riscos chegarem à nossa costa. As movimentações no Golfo da Guiné indicam claramente a possibilidade de estabelecimento de rotas migratórias a partir daquela região; das rotas subsaarianas que por via terrestre chegam a Marrocos e que visam essencialmente território espanhol, podemos ter reflexos no nosso país. Há que ter presente, uma vez mais, que alguns dos países utilizados nestas rotas, devido à debilidade das suas estruturas, são extremamente permeáveis à acção de grupos criminosos ou células terroristas. Mesmo que estes espaços reflictam uma certa preponderância das organizações criminosas nigerianas o panorama é preocupante. Por fim, e relativamente à Europa Central e de Leste, constata-se um fenómeno migratório desregulado e em massa, a partir do qual se implementaram canais imparáveis com proveniência de países tais como a Ucrânia, a Moldávia, a Roménia ou a Rússia, do qual Portugal é testemunho assinalável desde a segunda metade da década de noventa.
A diferença fronteiriça que marca o espaço de segurança afastou-se irreversivelmente para leste. Portugal tem com Espanha um mero apontamento administrativo a marcar a diferenciação de territórios e a realidade obriga-nos a rever conceitos e estratégias de segurança e defesa.
O turbilhão da globalização obriga a um reposicionamento que deve ter em conta os interesses específicos de Portugal, e os seus interesses enquanto membro de um espaço poliárquico. E se é verdade que em muitos casos os interesses coincidem, não é menos verdade que, em muitos outros, vontades particulares se sobrepõe ao interesse colectivo – o caso dos vistos emitidos descontroladamente pela Alemanha, em Kiev, e que atingiram Portugal independentemente da nossa vontade, é disso uma crua constatação. Este é apenas um exemplo demonstrativo de que a ideia do «espaço vital» (Lebensraum) tão cara aos alemães pode não ser exactamente coincidente com a de outros Estados-membros da União Europeia. A visão estratégica em que a referida questão dos vistos foi concebida, foi apenas uma opção tacticista que objectivamente pretendeu retirar a Ucrânia da esfera de influência russa, apelando a uma relação acima de tudo centrada na Alemanha. Os danos colaterais desta opção atingiram outros Estados-Membros com claros efeitos no panorama criminológico. No caso português, verificou-se uma alteração irreversível que vai obrigar a alterar conceitos e metodologias de investigação.
É nesta perspectiva de alargamento de espaços em que se movimentam bolsas de imigrantes, do Leste da Europa ao Oceano Atlântico, e das mais diversas nacionalidades, que temos doravante de perspectivar, trabalhar e conceber a troca de informação entre os nossos parceiros. A forma como se diluíram as fronteiras permeabiliza o espaço em que estamos inseridos. É assim que, a outro título, o conflito checheno dá origem à possibilidade de integração e/ou inflitração de indocumentados – que na generalidade dos casos a própria Federação Russa tem dificuldade em reconhecer – nas fileiras irregulares de imigrantes.
Não sendo a partir de agora possível a reversibilidade desta tendência, podemos e devemos olhar para outros espaços. Com a implementação de especializações em determinadas áreas e, nesta óptica, como país prestador de serviços devemos estudar, por forma a beneficiarmos a União Europeia em que nos inserimos, uma concepção estratégica para a utilização do triângulo atlântico (do Norte de África / Mediterrâneo, passando por Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Brasil) por forma a consolidar-se enquanto local por excelência da dinamização de informações que visem assegurar a segurança interna do país e da área política, geográfica e económica de que Portugal é parte integrante.
Esta mais valia, não só para a União Europeia, mas também para a relação transatlântica com os EUA e o Canadá, poderá ser algo que faça de Portugal um parceiro respeitável e a ter em conta no combate transnacional, tão necessário nos nossos dias, nas mais diferentes áreas do crime.
Para nós portugueses, por se encontrar claramente num espaço das relações internacionais que interage com o nosso país, Cabo-Verde merece uma particular atenção; só o facto de estar na ordem do dia, pelo menos ao nível académico, o debate sobre a sua integração ou não na União Europeia, merece que desde já, do ponto de vista estratégico, façamos o trabalho de casa.
Cabo-Verde é um espaço de tranquilidade e com uma democracia implementada que faz inveja ao continente em que está inserido, razão por si só a ter em conta na capacidade de atracção que já exerce junto de muitos países em seu redor. Quanto às vantagens do seu posicionamento geográfico, o arquipélago de Cabo Verde fala por si. Mais não seja por estes dois factores referidos (consolidação democrática e posicionamento geoestratégico) talvez fosse prudente equacionar de igual modo e seriamente um eventual alargamento da influência da NATO àquele país do Atlântico.
A ter em conta como um óbice à perspectiva de equilíbrio regional face ao espaço em que actualmente se insere aquele arquipélago, é a influência que a Nigéria tem em toda a região: país muçulmano, o mais populoso de África e com um domínio económico na zona, que advém das suas explorações petrolíferas.
Mas a dinâmica nigeriana não se limita às potencialidades económicas referidas, possuindo igualmente uma das mais poderosas estruturas de crime organizado cujas actividades vão muito para além do continente em que se inserem; imigração ilegal, tráfico de seres humanos, tráfico de droga e falsificação de documentos e cartões de crédito, para só citar alguns exemplos, são referências já registadas e a ter em conta junto das polícias europeias e americanas.
Os indícios da sua presença em Cabo-Verde já se fazem notar, utilizando aquele país como placa giratória para muitos dos seus negócios, alguns dos quais passam por Portugal e têm o Brasil como rota de destino.
Portugal
O desafio que Portugal enfrenta nesta matéria prende-se muito com a capacidade de restruturação por parte dos serviços de informações e dos serviços de segurança.
A procura de eficácia e a projecção concertada da actividade investigatória e do acesso à informação, devem nortear os objectivos deste empreendimento. A criação de um Gabinete de Estudos Estratégicos (sob a tutela do Ministro da Administração Interna) que não dependa em exclusivo dos diversos serviços e forças de segurança mas que conte com as suas estruturas e analistas próprios, poderá colmatar, nesta matéria, um hiato que se verifica na contribuição de estudos para a compreensão do fenómeno criminológico e a real situação da segurança interna do país.
A implementação de uma estrutura deste nível, devidamente apoiada pelos melhores sistemas de análise e software informático, com uma ligação directa aos diversos depósitos de informação de índole estratégica criada pelas instituições que trabalham nesta matéria directa, pode ser uma solução que deve ser ponderada.
Os 92.831 km2 do país não justificam, em nosso entender, a existência de tantas divisões e a produção de relatórios, vindos das mais diversas proveniências, muitas vezes difíceis de descodificar por quem tem uma percepção mais próxima da actividade operacional. A Áustria, país de pequenas dimensões como Portugal, pode servir de exemplo para a nossa tão hipotética quanto desejada restruturação, perspectivando-o para o nosso país, naturalmente adaptado à nossa realidade. Este país germanófilo adaptou, com sucesso, uma eficaz estrutura de centralização de análise no Ministério do Interior, com informação proveniente das mais diversas estruturas ligadas à investigação, segurança pública e polícia de imigração.
Sob o ponto de vista estratégico a constatação de tendências migratórias e criminológicas e as alterações que socialmente daí possam advir poderiam servir de orientações a quem tem a responsabilidade de definir políticas; aos serviços e forças de segurança, já devidamente informados do cenário mais abrangente em que se integram e trabalham, deixar-se-iam as informações de carácter táctico e operacional para a sua actuação.
Face ao que já foi dito e devendo esta preocupação ser estrutural à nossa sociedade, entendida e estudada de forma multidisciplinar, dar-se-ão passos importantes quando se perceber que não há lugar para a demagogia nos debates que têm necessariamente que ser feitos sobre esta matéria.


Notas


[1] Não havendo certeza absoluta dos números destas comunidades podem-se adiantar, quanto à sua dispersão pela Europa, os seguintes dados: França 7 milhões; Alemanha 3,45 milhões; Grã-Bertanha 1, 406 milhões; Itália 700 mil; Espanha 350 mil e Portugal 42 mil.
[2] Verifica-se a falsificação ou falsidade intelectual ou ideológica quando o documento não reproduz com verdade aquilo que se destina a comprovar, Código Penal, pág.776, anotações ao artigo 256º, alínea b), falsificação de documento, de Manuel Lopes Maia Gonçalves, 14ª Edição 2001, Editora Almedina.
[3] A falsificação ou falsidade material ocorre quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente, alínea a) do mesmo artigo, idem.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu considero o seu texto muito extenso mas fiz copy paste na mesma. Obrigado :)